sexta-feira, abril 25, 2025
23.9 C
Vitória
sexta-feira, abril 25, 2025
sexta-feira, abril 25, 2025

Leia Também:

Híbridos do cerrado

Os embrapeanos e seus admiradores estão festejando os 40 anos da  Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 1973 por Emilio Medici, o general ocupante da Presidência da República.
 
O fato de ter nascido em plena ditadura militar não tira o brilho da Embrapa. Mesmo sendo a mais jovem joia da República, ela alcançou em relativamente pouco tempo um nível de excelência equivalente ao do Banco do Brasil (1851), BNDES (1952) e Petrobras (1953), sem falar de outros gigantes da civilização brasileira, como a Eletrobrás e a USP.
 
Com 47 centros de pesquisa onde trabalham mais de 2 mil cientistas e  técnicos de nível superior, a Embrapa caminha ao lado dos produtores  e, frequentemente, antecipa soluções agronômicas; outras vezes é obrigada a correr atrás do prejuízo causado por pragas ou doenças. É o caso da ferrugem da soja, que atormenta os produtores há mais de 10 anos.
 
Por tudo isso, é praticamente impossível imaginar o Brasil-potência-agrícola sem a ajuda embrapeana em pesquisas de solos, frutas, grãos, fibras e manejo de diversas espécies vegetais e animais.
 
“Nós vencemos sem seguir nenhum modelo agrícola externo”, afirmou o presidente da Embrapa, agrônomo Mauricio Lopes, na palestra de  encerramento de mais um evento comemorativo realizado no final de  setembro em Porto Alegre. Ninguém o contestou, talvez porque, sendo  uma festa, o terreno parecia liberado para a semeadura de falácias.
 
Não é assim tão simples quanto sugere a fala do executivo estatal. Se o sucesso da Embrapa é indiscutível, não é verdade que ela se estabeleceu sem seguir um modelo. Embora tenha muitas peculiaridades – como a vastidão territorial e a variedade de solos e microclimas – que lhe permitiram tornar-se campeão de café, cana, frango, laranja e soja, o Brasil virou uma potência agrícola após adotar o modelo norte-americano que, desde o princípio dos anos 1950, nos impõe pacotes tecnológicos usados de Picos do Piauí aos platôs do Chuí.
 
Não é difícil compreender o discurso e a postura de Lopes. Formado em Viçosa quando a Embrapa engatinhava, ele é um híbrido de cientista e político formado nos embates entre a pesquisa técnica, a burocracia estatal e os interesses do Agronegócio. Originalmente era geneticista (com pós-graduação nos Estados Unidos, claro) mas a luta pela sobrevivência da Embrapa o levou a trocar o laboratório pelos gabinetes  onde nos últimos 20 anos vicejaram diversos projetos da iniciativa privada.
 
 
Nessa virada da pesquisa pura para a pesquisa comercial, a Embrapa abraçou como parceiros preferenciais as empresas de sementes e agroquímicos. Muitos pesquisadores com talento para os negócios preferiram tornar-se vendedores de projetos de pesquisa e/ou captadores de verbas necessárias à sobrevivência da empresa num ambiente dominado pelo pensamento neoliberal. Foi uma transformação tão grande quanto a migração das sementes orgânicas para transgênicas nas principais lavouras comerciais brasileiras.  
 
 
O pragmatismo empresarial de Mauricio Lopes faz lembrar os agrônomos Luiz Fernando Cirne Lima e Allisson Paulinelli, os dois ministros responsáveis pela criação e implantação da Embrapa, entre 1973 e 1979. 
 
 
Embora tenham nascido nos anos 1930, eles vieram de escolas  diferentes. Cirne Lima formou-se em Porto Alegre e doutorou-se na  Inglaterra. Paulinelli estudou em Lavras (MG) e se pós-graduou nos  Estados Unidos. De certa maneira representam duas épocas, duas influências. Cirne ligado na pecuária europeia. Paulinelli, no agribusinesse norte-americano.
 
 
O marco divisório dessas duas épocas da agricultura brasileira foi uma planta chamada Glycine max, a fabulosa soja. Quando Cirne estava deixando o ministério, em 1973, a soja estava organizando a ponte Ijuí-Chicago. Quem mais se beneficiou dessa tremenda ascensão foi o mineiro Paulinelli, dublê de técnico e político que até mandato de senador exerceu por Minas Gerais, anos depois de deixar o Mapa.
 
Assim, não é por falta de conhecimento histórico, mas por conveniência política, que o maior executivo da Embrapa espalha a versão que mais afaga a autoestima nacional. Mas é fraude histórica dizer que o Brasil virou potência agrícola sem pagar tributo a qualquer modelo estrangeiro. Na realidade, é a dependência tecnológica, financeira e mercadológica que mantém o pais numa situação semelhante à da colônia dos primeiros séculos da história nacional.
 
 
Podemos sumarizar as influências predominantes sobre a agricultura brasileira, ao longo dos seus 500 anos, da seguinte forma: 
 
I – De 1500 a 1800, cultivamos cana à moda afroportuguesa e mandioca, milho e fumo à base do extrativismo indígena
 
II – De 1800 a 1900, cultivamos café, algodão e plantamos ferrovias para atender ao mercado europeu
 
III – Em 1887, D. Pedro II criou o Instituto Agronômico de Campinas, entregue à direção técnica de europeus
 
IV – A partir de 1895, difunde-se o livro “Cultura dos Campos” (Assis Brasil), uma compilação de técnicas agrícolas da Europa
 
V – Após a Primeira Guerra (1914-1918), inicia-se a influência exercida por indústrias de máquinas, pesquisadores e empresas norte-americanas compradoras de matérias-primas agrícolas
 
VI – Após a Segunda Guerra (1939-45), a importação de trigo amarra definitivamente o Brasil aos EUA, que passa a nos vender máquinas e diversos insumos
 
VII – Em 1962, a citricultura brasileira vive um “boom” para atender o mercado americano
 
VIII – A partir da 1973, o Brasil cultiva a soja de acordo com o modelo americano e aqui estamos até o pescoço.
 
No livro O Brasil da Soja – A Rainha do Agronegócio, deixei claro que a revolução agrícola feita no cerrado brasileiro nos últimos 40 anos teve três protagonistas (não importando a ordem de grandeza): a soja, os agricultores e os técnicos/cientistas.
 
Foi uma corrida de revezamento em que os três atores evoluíram se ajudando mutuamente, mas o denominador comum foi a tecnologia norte-americana, que se impôs por meio de uma presença maciça em termos de máquinas, fornecimento de insumos e compra de produtos.
 
Nessa saga extraordinária, a soja foi adaptada a diversas regiões brasileiras por um excepcional corpo de agrônomos e técnicos agrícolas – não só da Embrapa, mas também da Emgopa, da Epamig, do IAC, das Emateres estaduais e de escolas superiores e de grau médio de tecnologia agrícola.
 
Claro que houve subsídios governamentais, mas em todo o mundo a agricultura recebe ajuda oficial. O mais importante é que a partir da soja, muito mais do que antes, o Brasil se tornou tributário e dependente do modelo norte-americano.
 
Como negar toda essa influência modelar se desde a Segunda Guerra Mundial centenas de agrônomos brasileiros foram se aperfeiçoar-se em universidades e centros de pesquisas dos EUA?
 
 
Citemos um dos primeiros e talvez o mais conhecido deles: José Gomes da Silva, o Zé Sojinha, voltou de lá em 1948 com a ideia do fomento da lavoura de soja mediante um pacto tripartite entre governo  (financiamento da pesquisa e preços mínimos), indústrias compradoras da produção e agricultores, que deviam fazer tudo de acordo com o figurino fornecido pela Anderson Clayton, Bunge, Cargill etc. 
 
A única indústria nacional naquele momento (anos 1950) era a Matarazzo. Outras nativas, surgidas depois, como a Ceval (1972) acabaram sendo compradas por estrangeiros. O cooperativismo, que chegou a despontar como a terceira via de uma agricultura ancorada em pequenas e médias propriedades, deu com os burros n'água e somente nos últimos anos dá sinais de reagir.
 
 
Atualmente, indústrias nativas como Cocamar, Coamo, Caramuru, Granol e outras são minoria num contexto dominado por grandes empresas multinacionais, a maior parte de origem americana, algumas europeias, uma ou outra japonesa.
 
 
Essas nacionalidades se tornaram ricas/poderosas porque têm maior nível educacional/tecnológico, acumularam mais capital e desenvolveram mercados mais amplos. É o que falta para o Brasil se tornar uma potência agrícola autônoma e a Embrapa, uma multinacional realmente livre.
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Crescimento econômico e sustentabilidade ambiental não são antagônicos, podem ser sinérgicos”
 
Maurício Lopes, presidente da Embrapa

Mais Lidas