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Homens antigos em sítios modernos

Caipira urbano disposto a experimentar a vida na roça, há vinte anos Cadinho adquiriu um sítio em Campos do Jordão. Apenas cinco alqueires, mas o suficiente para “brincar” de fazendeiro. Começou com duas vacas para garantir o leite da criançada. Elas procriaram com a ajuda dos touros da vizinhança; hoje o rebanho soma 15 cabeças, fora as abatidas para os natais da comunidade, todo santo ano.
 
Nesse tempo todo, nunca os vizinhos se incomodaram com as fugidas do gado do Seu Cadinho, pelo contrário, sempre ajudaram a resgatar as reses roceiras e remendar as cercas. Que eram muitas e foram rareando. É que outro Ricardo vindo de São Paulo — com muita bala na agulha, como se diz — comprou um sítio ali perto e depois foi comprando todos os vizinhos, até chegar na cerca do Seu Cadinho. 
 
Nessa reforma agrária de cima para baixo, a comunidade vizinha raleou bastante, mas os gatos pingados que sobraram pra contar a história não perdem nenhuma das novidades. É que Seu Cadão, o vizinho poderoso, adora inovações. Entre outras, está implantando um hotel diferenciado, tipo 10 estrelas, no meio de um rico reflorestamento; modernizou a escola do bairro e, no lugar da antiga porteira, mandou instalar um portão automático, com guarda na guarita e sinais de segurança máxima.
 
Semanas atrás, o caseiro do Seu Cadinho reconheceu um mugido familiar dentro da propriedade vizinha, que já está com mais de quarenta alqueires. Não é que algumas cabeças haviam mesmo rompido a cerca e fugido para o outro lado?
 
Como de costume, o caseiro chegou a pensar em pular a cerca, resgastar os fugitivos e consertar o aramado, mas na hora H achou melhor pedir autorização. Dirigiu-se à guarita e falou ao segurança atocaiando por trás de um vidro blindex escuro:
 
  – Olá, amigo, preciso entrar aí para tocar meu gado de volta.
 
  – Vai precisar de crachá.
 
  – Precisa não, é coisa rápida.
 
  – O senhor vai ter de ir lá na sede pegar autorização.
 
  – Mas a sede fica lá longe, do outro lado.
 
  – Não tem jeito. Só indo lá.
 
  – Se eu for até lá, o gado vai se perder no meio do mato de ocalito, imagine o trabalhão pra juntar…
 
  – Tenho ordem, só entra com crachá.
 
O caseiro não se deu por vencido. Tirou o chapéu e, disposto a convencer o vigia escondido atrás do vidrão fumê, chegou bem pertinho. E relaxou: o segurança, ora pois, era um velho conhecido da infância ali do bairro. Não precisou argumentar muito para virar a mesa. Entrou na fazenda do Seu Cadão sem ler as inúmeras placas de aviso disso e daquilo, recuperou o gado e depois consertou a cerca – rápido como quem rouba.  E sem crachá.
 
Moral da estória: não há modernidade que resista a uma velha amizade

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