sexta-feira, julho 11, 2025
17.9 C
Vitória
sexta-feira, julho 11, 2025
sexta-feira, julho 11, 2025

Leia Também:

Impasse ambiental

Ana é ambientalista de carteirinha, sempre lutando contra os estragos impostos ao meio ambiente. E não são poucos. E não fica só no discurso. Ana vai à luta, sempre participando de manifestações que alertem o povo para os danos da poluição que provocamos e nos agride de volta. Seu lema é: “Somos todos réus, somos todos vítimas”.  Ana faz passeata na frente da Assembleia e do Palácio, nos palanques dos políticos corruptos,e contra os atos de concessão de benefícios a empresas que não respeitam a preservação ambiental.
 
Seu grupo, Tudo para o bem de todos,  sempre carrega faixas e bandeiras com negras caveiras e borrões de tinta vermelha indicando sangue. E ovos podres. Ana já foi presa algumas vezes por jogar  ovo podre em dono de usina, esterco em desmatadores, dinheiro falso nos políticos vendidos aos interesses das poluidoras.  Também já foi entrevistada  algumas vezes em jornais e televisão  – mais prisões que entrevistas, infelizmente.
 
Ana prega no deserto. O povo continua surdo e mudo aos avanços da destruição eco-ilógica, alardeada como necessária ao progresso da nação. Quem não quer ver sua cidade, seu estado, seu país prosperar? Sua conta bancária engordar? Se a poluição traz mais indústrias e mais empregos, deixa poluir, que ar limpo não enche barriga. É melhor pegar uma neoplasia com um bom plano de saúde do que morrer subnutrido nos corredores dos hospitais públicos.
 
Embora ativista, a guerreira tem seu descanso – discoteca no sábado, praia e cineminha no domingo, viagem nos feriadões.  E foi na feliz junção de algumas dessas atividades socioculturais – viagem e discoteca – que Ana conhece Ruy, de irresistíveis olhos azuis, falando português com sotaque. Foi amor no primeiro mix do DJ, e não se desgarraram por todo o fim de semana. Entre as muitas perguntas obrigatórias em um primeiro encontro,  no item economia,  ele disse, “Sou representante comercial”; ela disse: “Sou policial”.
 
Ruy achou meio estranho, uma flor tão dócil e frágil? Mas nada comentou, para não parecer antiquado ou machista. Na questão geográfica, ela disse que era de Vitória, ele disse que era do Rio. Ninguém espera muito de um encontro de fim de semana, mas pintou realmente um clima e eles prometeram se reencontrar, assim que… o tempo permitir, surgir mais um feriadão, nas férias, em outra vida… Quem sabe?  Vitória e Rio, afinal, não ficam muito distantes no tempo e no espaço.
 
De volta à luta Ana tem a agenda cheia, e vai ao aeroporto com sua faixa tingida de sangue dar as péssimas vindas ao representante de uma multinacional poluidora, que chega em avião particular,  recebido pelos politicos, pelo clero e pela imprensa. E a primeira pessoa a aparecer na porta do Gulfstream IV é o Ruy! Não deu para interromper o gesto já preparado de atirar uma cesta cheia de ovos podres no ilustre passageiro! 
 
Que mais atônito ficou ao ver Ana com uma faixa cheia de sangue e caveiras atirando ovos podres em seu terno Armani!  A polícia chegou atrasada para evitar o ataque, mas a tempo de levar a manifestante em cana. Ruy manda pagar a fiança, alegando que não quer atritos com os moradores. Para constrangimento de ambos, no próximo sábado eles se deparam na discoteca da moda. “Você disse que era policial!” ele diz; “Policial do meio ambiente!” ela retruca, com orgulho.
 
Ruy não está no cargo por apadrinhamentos, mas por suas decisões rápidas em tempos de crise, e vai direto ao ponto, “Nosso amor tem chances de durar mais que o ar puro dessa cidade.  O problema é, se não for eu, outro virá no meu lugar, ganhando em euros e cheio de mordomias.  Portanto você decide, a faixa ou eu?” Ana sucumbe às razões do coração, que não são poucas, mas doa a faixa para outro  ativista. A deserção de  um soldado não põe fim a guerra!

Mais Lidas