Sigo eu na minha primeira caminhada matinal do ano, que não aconteceu no dia primeiro de janeiro como deveria, mas pelo menos ainda estamos na primeira semana. Mesmo inverno, com neves e frio no norte, vou desfrutando a bela e aprazível manhã de sol , até que… não mais que de repente, uma jovem do outro lado da rua faz gestos desesperados me chamando, ao mesmo tempo em que grita no celular e aponta alguma coisa no chão perto dela.
Fico sem saber se os gritos e gestos são para mim ou para a pessoa com quem fala, mas pelo sim, pelo não, gentilmente atravesso a rua e vou até ela, que apesar dos gestos exagerados não parece estar sofrendo um ataque cardíaco. Será que caiu o silicone de algum implante? Lá chegando vejo a razão de seu desespero – uma jovem tartaruga quer atravessar a rua, e os gritos da mulher não são para mim nem para a pessoa no celular, são para advertir a tartaruga dos perigos da travessia.
Brincadeira, claro. Ela me chamou, sim, para salvar a imprudente. Ao mesmo tempo, o marido no celular explica o que deve ser feito – pega pelo casco, gentilmente, e leva para o lago de onde ela deve ter vindo. Simples, só que ela não tem coragem de fazer isso e apelou para a pessoa errada. Sou muito amiga da natureza e dos animais, mas minha apreciação não se estende a contatos imediatos de primeiro grau. As tartarugas têm minha admiração e respeito, mas pegar uma é outra história.
Olho pra moça e avalio a situação – ela viu primeiro, é mais nova e mais forte que eu, então que faça o devido salvamento ou espere por outro caminhante ocasional. Ou chame o serviço de proteção aos animais. Explico isso a ela e tento seguir meu caminho… Quase chorando a jovem me agarra pelo braço, Não, não, por favor, meu marido disse que não tem problema nenhum… Tá bom, então chama seu marido… Não tem perigo, é só pegar pelo casco, gentilmente…
E assim começa minha primeira missão salvamento de tartaruga, às nove da manhã, em Miramar, na Grande Miami, sob intensos aplausos da jovem, com gritinhos de “Você é tão corajosa!” Pego a gigantesca tartaruga – dois palmos de comprimento – dou o primeiro passo, mais um… mas a tartaruga se debatendo desesperada suplanta minha coragem, e a ponho de volta no chão, pelo menos no sentido oposto, de costas para a rua e de frente para o lago. Talvez agora ela ache o rumo de casa.
Diante do meu fracasso, a jovem tem outra brilhante ideia (a primeira foi me chamar): “Fique aqui, meu marido sugeriu pegar uma bacia para levá-la até o lago. Por favor não vá embora”. E corre para o condomínio próximo. “Volta logo”. Me pergunto, se é tão perto, por que não trouxe o marido? Num ato de extrema coragem, consigo pôr a coitada dentro da bacia e corro para o lago. Simples, não? Pois sim! O réptil tenta pular fora da bacia a todo custo, e tenho que fazer intensos movimentos giratórios para impedi-la de cair.
Mais uns passos e, não conseguindo controlá-la, ponho a bacia no chão. Ela pula fora e rápida como o esquilo que a tudo assiste de uma árvore próxima, corre para o lago, mergulha e some das nossas vistas. A jovem me brinda com intensos aplausos, vivas e: ” Voce é tão corajosa!” Enquanto o esquilo quase cai da árvore de tanto rir, das duas. Vou embora e a jovem fica lá, na beira do lago, tentando ver se a tartaruga está bem.