Quinta, 28 Março 2024

Independência ou morte: viver com razão

 

Quando eu era criança, a Semana da Pátria era uma festa, marcada por muito verde e amarelo, nas ruas, nas casas, fitinhas nas antenas dos carros, distribuídas pelos postos de gasolina, pelos comerciantes. Nas escolas, fazíamos encenações do Dia da Independência. Lembro-me que participei de uma delas, no Professor Lellis, em Alegre.
 
Não me lembro o personagem que vivi, mas lembro bem que Dom Pedro era o Sérgio, filho do Dr. Adalto, o juiz da cidade. Naqueles tempos era muito comum o filho do operário estudando com o filho do prefeito, do empresário, do médico, do gerente de banco, na mesma escola pública. Depois, transformaram a escola pública num gueto.
 
Adorávamos participar do Desfile do 7 de Setembro. Eu sempre curti essas coisas. O desfile militar me atraía, pela sincronia dos passos, a harmonia, a veneração pela bandeira, símbolo nacional, que, mais tarde, eu empunhei como seu condutor na guarda bandeira nos tempos da prestação do serviço militar, em que o uniforme verde-oliva no corpo dava-nos o sentimento de soldados da Pátria.
 
Hoje, o Feriado da Independência ninguém lembra o que é. Aliás, lembra sim, para emendar com o fim de semana. Principalmente, se o sujeito mora em Vitória, é funcionário público e o Dia da Pátria cai na quinta-feira, para emendar como Dia da Cidade na sexta-feira. Quem não gosta é quem trabalha por conta própria e depende da produção para viver.
 
Fica sempre um sentimento de que precisamos fazer uma síntese para não esquecer os valores simbólicos da Nação, mas eu até compreendo a razão de tudo isso estar acontecendo. Primeiro, aquelas comemorações de minha infância, hoje entendo, não eram espontâneas. A ditadura militar as impunha. Ora, tudo o que é imposto, no dia em que houver alguma liberdade, as pessoas abominarão.
 
Impuseram 300 anos de serviços forçados aos africanos trazidos como escravos para o Brasil e, quando lhes foi permitido não mais trabalhar forçados, eles trabalhavam somente o que era necessário para a sobrevivência e o restante dos dias passavam nas praças, olhando para o tempo e curtindo aquilo que a alma mais busca, a liberdade. E foi assim que as elites marginalizaram todos os seres humanos nesse País, com a pele pigmentada, rotulando-os de preguiçosos e indolentes.
 
Da mesma forma, uma parcela saudosista do autoritarismo rotula os que nem se lembram dos símbolos nacionais como não patriotas. Sentimento não se impõe. Infelizmente, os ditadores ignoram isso e deformam a sociedade. Consertar leva tempo. É preciso que pessoas de bom senso trabalhem neste sentido, construindo o sentimento não pela imposição, mas pela adesão racional.
 
Era assim antes do arbítrio, quando pessoas de todas as ideologias se uniam em torno dos ideais nacionais, mas os líderes que se assenhoraram do poder sobre a vida e a morte dos brasileiros, manipulados por interesses externos, transformaram o sentimento de amor à Pátria em algo negativo na alma do brasileiro.
 
“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”, do Hino da Proclamação da República,  tem muito mais significado no nosso imaginário do que o “Já podeis da Pátria filhos, ver contente a mãe gentil” (o poeta inverteu os elementos da frase para permitir a sonoridade, e é preciso entender que ele queria dizer “filhos da Pátria”), do Hino da Independência, porque, durante algum tempo, a Pátria se tornou madrasta da pior espécie.
 
E o segundo ponto de minha compreensão é que, em lugar do sentimento nacional, criou-se um sentimento hedonista voltado para o consumo desenfreado em busca de status. E status, nunca encontrei melhor definição,  é comprar aquilo que você não precisa, para mostrar a pessoas de quem você não gosta, quem você não é.
 
Mas de nada adiantam essas elucubrações intelectuais. Isso tudo faria sentido para a maioria dos leitores, se ainda tivéssemos uma filosofia de vida, mas transformaram a Filosofia num monstro abominável para retirá-la das escolas. Afinal, a Filosofia faz pensar e gente pensante é tudo o que as elites, em todos os níveis, menos querem. Assim, fica mais fácil dominar a massa e conduzi-la para onde querem os dominadores.
 


José Caldas da Costa é jornalista, escritor, licenciado em Geografia

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