A população brasileira seria indubitavelmente feliz se tivesse um padrão de vida equivalente à prosperidade dos bancos nacionais. Ou se tivesse acesso aos privilégios que ornam a carreira de alguns milhares de excelências dos serviços públicos e da iniciativa privada. Infelizmente, um oceano de desigualdades separa as bases dos topos.
Mirem-se no exemplo do Banco do Brasil, do Bradesco e do Itaú: não tecem nem fiam, apenas emprestam a juros e cobram taxas exorbitantes pela guarda da grana alheia, mas cada um deles lucra algo como dois bilhões de reais por mês – tudo isso com o beneplácito do Banco Central do Brasil, o apoio do Ministério da Fazenda, o aval do Congresso Nacional, a fidúcia do Conselho Monetário Nacional e o amém do Fundo Monetário Internacional.
Há meses em que o lucro diário de cada um desses três bancos extrapola os 100 milhões de reais (por dia!). A esse trio somou-se recentemente o espanhol Santander, que engoliu diversos bancos brasileiros, a começar pelo Banespa no final do século XX. Atualmente a filial brasileira do Santander dá mais lucro do que a matriz espanhola.
Alguns dizem que tudo isso que aí está, no mercado financeiro e alhures, é um vero progresso resultante de nosso ingresso na modernidade global. Seria um processo irreversível, embora beneficie uma minoria e exclua a maioria, que segue “na chuva”, como se diz. A que ponto chegamos, torcida brasileira.
Alguém ainda se lembra do guarda-chuva usado pela garota-propaganda do Banco Nacional, ex-Lavoura de Minas Gerais? Ela aparecia toda noite antes do Jornal Nacional da Rede Globo de TV. Ela e o locutor Cid Moreira configuravam imagens gêmeas do sucesso televisional. De vez em quando ela vinha junto com o Sergio Chapelin, o outro locutor globesco.
Era uma alegre mentira como tantas outras pirotecnias da publicidade, a esposa abonada do jornalismo.
Ainda estávamos na ditadura militar quando o banco da família Magalhães Pinto – “Nacional” apenas no nome — foi absorvido por um grupo maior. Se não foi o Bradesco, foi o Itaú. Ou teria sido o Unibanco? Não importa, já que o grande Unibanco da família Moreira Salles acabou sendo comprado pelo Bradesco – ou teria sido pelo Itaú?
Alguém ainda se lembra de quem comprou o Mercantil de São Paulo da família Vidigal?
Onde foi parar o Banco Auxiliar do comendador Rodolfo “Cica” Bonfiglioli?
Cadê o Banco Itamarati do empreiteiro Olacyr de Moraes?
E o Banco Noroeste da família Simonsen?
E o Banerj? E o Banpará? O Bemge? O Besc? Na fogueira acesa pelo ministro Pedro Malan com o aval do presidente FHC (1995-2002), foram liquidados mais de 20 bancos estaduais. Sobraram quatro: Banrisul, Banestes e mais dois cujos nomes me escapam.
Sobraram o Bradesco da família Aguiar e o Itaú da família Setubal.
Não adianta gritar por socorro. O BB e a Caixa estão na alça de mira da banca internacional. Estamos cercados.
Sessenta porcento da população adulta do Brasil têm dívidas atrasadas.
A inadimplência é crônica no Brasil. De alto a baixo, a maioria da população vive na bica dos calotes, à mercê da usura legal e clandestina.
O giro desse endividamento monumental faz a fortuna dos bancos, que ganham com os pobres, os ricos e, especialmente, com o governo, que administra a dívida pública com a óptica dos banqueiros e seus apaniguados — os rentistas, investidores e especuladores nacionais e globais. Pensando bem, é um pesadelo sustentado pela desigualdade do sistema.
E o que acontece quando um banco fica mal das pernas? O governo o ajuda a não quebrar. Os exemplos mais recentes? Foi assim com o Panamericano da família de Silvio Santos, o camelô do sistema brasileiro de televisão. Idem com o Banco Votorantim da família Ermírio de Moraes.
E aqui estamos todos – governo, empresários, mídia etc. – festejando o crescimento da economia brasileira no ano passado: 1%.
Mal e mal deu para superar o crescimento vegetativo da população brasileira, que anda pela casa dos 0,8%. Tudo isso depois de dois anos de uma recessão que comeu 7% do “nosso” Produto Interno Bruto. Ou, seja, estamos parados no mesmo lugar depois de um baita retrocesso.
No afã de provar que vai tudo bem, a mídia brasileira esquece de fazer as perguntas pertinentes, sendo que a principal é: quem está se beneficiando desse pífio “crescimento”?
Veja-se como está sendo construída a pizza do PIB brasileiro de R$ 6,5 trilhões. Mais de dois terços vêm do setor de serviços: comércio, transporte, manutenção, turismo e…bancos, que têm nas mãos o filé dos negócios. A agricultura pesa uns 10% e a indústria, 15%.
Os setores produtivos, que há 30 anos constituíam a base da economia, com mais de 50% do total, estão numa situação constrangedora, obrigados a trabalhar para sustentar os bancos e o fisco.
Esse sistema ordenado pelo viés financeiro é perverso porque oprime a maior parte da população, corrompe os governantes e não teria futuro se não cooptasse quase todo mundo, desde jornalistas a políticos, passando pelos pastores, publicitários e outros “(de)formadores de opinião” – todos malfeitores, à luz do humanismo, cristianismo, das Constituição de 1988 e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Pelo andar da carruagem, a coisa tende a piorar com a privatização/internacionalização de empresas dos setores básicos da economia, especialmente na área energética. É provável que nem os bancos nacionais escapem do mesmo destino transnacional.
Caminhamos da dependência para a sujeição completa aos desígnios do capitalismo globalizado. Caberia perguntar se tudo isso poderia ser positivo para a maioria, mas por enquanto tudo indica que a resposta é NÃO.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Nós temos que questionar o atual pensamento econômico, que hoje domina e é aceito por todos os governos do mundo, inclusive pelo Fidel Castro. É o pensamento que acha que a economia de um país só é sadia se ela cresce. Desde quando podemos crescer sempre, num mundo finito? (…) Aumentar o consumo mais do que o necessário só para fazer PIB é um pensamento totalmente errado.”
(José Lutzenberger, agrônomo brasileiro, em depoimento em 2002, pouco antes de morrer aos 76 anos de idade; em “Pioneiros da Ecologia, Já Editores, Porto Alegre)