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Moradores de ruas, uni-vos

É tanta chuva no Sul, em contraste com a seca no Sudeste, que até para os moradores de rua tem sido ruim. Com a chuva, eles são obrigados a estacionar nas marquises dos edifícios para não molhar a única roupa que possuem. Em alguns lugares, como os viadutos,  formam filas horizontais de corpos imóveis e cobertos por lonas, panos, plásticos.
 
Os menos lesados pelo infortúnio improvisam cabanas sob carrinhos de coleta de recicláveis. Nos domingos de ruas molhadas e lixeiras vazias, seu desamparo é maior porque, mais do que nunca, estão absolutamente excluídos do aconchego familiar típico dos fins de semana.
 
São tão excluídos que não votam. Talvez nunca votaram na vida. Talvez nunca votem por falta de documento, o piso da cidadania. E, no entanto, se se unissem, poderiam eleger um vereador ou pelo menos um suplente apto a fazer barulho em nome da democracia, pois nas capitais brasileiras os moradores de rua representam 0,1% da população.
 
A única coisa que possuem, como prova de existência, é sua própria vulnerabilidade. Sua vida se resume a duas coisas elementares: procurar o que comer e descolar um lugar para dormir. São párias isolados a quem o álcool ou outras drogas servem como alívio, refúgio. Testemunhas da nossa insensibilidade, assim passam os dias, as estações, os anos. Comem o que colhem no lixo ou recebem da compaixão da vizinhança. E vestem o que lhes dão em albergues ou em casas de família ou empresas. Vivem em situação semelhante à dos flagelados das cheias ou das secas.
 
Em pouco tempo acabam sem dentes e + ou – sem identidade. Para quem cai num desses extremos, a única chance de salvação seria a família de sangue, que nem todos têm à mão. Na falta dela, os moradores de rua contam com as famílias vizinhas, nem sempre disponíveis.
 
Por fim, restam as entidades assistenciais de igrejas e os órgãos governamentais, que dependem do empenho de funcionários humanitários, às vezes cansados da precariedade das condições de trabalho ou da falta de recursos. No final das contas, os moradores de rua são tão desamparados que se situam aquém de uma chance de inscrição no Bolsa Família. Falta-lhes o endereço. Completa-se assim o círculo vicioso da miséria humana que vagueia pelas ruas das nossas capitais enquanto os comentaristas econômicos dos jornais e dos canais de TV se preocupam com medidas oficiais capazes de acalmar os mercados.
 
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
O Bicho
 
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
 
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
 
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
 
O bicho, meu Deus, era um homem.
 
Poema de Manuel Bandeira (1886-1968)

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