Um belo texto de William Shakespeare diz em determinado momento que “não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam”. A frase parece pertinente quando se observa como a população brasileira está insatisfeita com a política institucional que se apresenta.
Em junho passado, uma multidão sem precedentes foi às ruas. Pediu mudanças, mudanças profundas. Com uma forte rejeição às velhas práticas políticas, foi um grito de “chega!”. Promessas foram feitas, de mudanças, de reforma, de mais participação popular. Cerca de quatro meses depois, porém, o que se percebe é que tudo continua como antes.
O movimento foi criminalizado, agentes do governo se infiltraram nos movimentos, a imprensa ajudou a pesar a mão contra os manifestantes. E a arrogância daqueles que se julgam os donos do poder, porque “foram eleitos pelo povo”, continua passando por cima do sentimento de revolta.
No Congresso Nacional, índios estão sendo novamente marginalizados, como também foram as mulheres, os negros, os homossexuais. São muitas minorias que gritam, esperneiam, mas, como diz a frase, “algumas pessoas simplesmente não se importam”. Se importam apenas em defender o agronegócio, as poluidoras, as indústrias, a sua religião, a intolerância.
Passados 513 anos da invasão do Brasil pelos europeus, uma parcela muito pequena, que chamamos de elite política, continua dando as cartas, passando por cima de direitos humanos e trabalhistas, protegendo o mercado e alimentando a permanência daqueles que usurparam do povo o controle de suas próprias vidas.
O povo sabe sim o que quer. Quer saúde, educação e, principalmente, democracia. E isso não é demagogia. É o cansaço diante da espera pela atuação daqueles que se dizem os legítimos representantes da população. O fato de termos eleito representantes nas instâncias de poder, não tira o poder de decisão do povo. Se os representantes do povo não estão correspondendo, se as instâncias judiciais permitem que políticos “ficha suja” continuem na vida pública e vencendo por voto de cabresto, cabe à população cobrar, sim, uma democracia plena.
É preciso vencer o discurso criminoso do “combate à baderna”. É preciso fortalecer os fóruns, participar dos debates populares, os grupos de acompanhamento legislativo e, principalmente, incentivar a entrada na política de lideranças que estejam realmente compromissadas com os interesses da população. Gente de bem há, cabe ao eleitor não se corromper mais por falsas promessas e não vender seu voto a troco de banana. É preciso se apoderar da rua, das instâncias de poder e cobrar participação. Se não for dada por bem, que não cale o grito das ruas.