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Na reconstrução, agendas capixabas

Com rapidez, pulso forte e senso de prioridades, o governador Renato Casagrande liderou a reação às calamidades climáticas que se abateram, de forma inédita, sobre o estado do Espírito Santo em dezembro de 2013. Liderou a reação, teve resposta do governo federal e de prefeitos como Luciano Rezende e Audifax Barcelos, e agora, no limiar de 2014, lançou um conjunto de ações de reconstrução do estado.
 
Os detalhes deste conjunto de ações já foram descritos exaustivamente pela mídia regional e já são do conhecimento de todos: medidas que totalizam aproximadamente R$ 890 milhões , dos quais a expectativa do governo estadual é de que o governo federal seja responsável por pelo menos metade dos investimentos. Para isto, o governador já iniciou interlocuções com os ministros da Integração, Francisco Teixeira, e das Cidades, Aguinaldo Ribeiro. Também aqui o governador foi correto na decisão: ação sem “chororô” em relação ao governo federal. Isto posto, agora é continuar de mangas arregaçadas para comandar ações que cheguem logo “na ponta” para minimizar os dramas sociais e mitigar as perdas econômicas.
 
No diapasão e ritmo da reconstrução, o pacote de medidas vai, por si só, movimentar a economia regional pela via da cadeia produtiva da indústria da construção e pela injeção na economia de fluxos financeiros em forma de doações, subsídios, transferências federais, desonerações e empréstimos bancários.
 
Ao mesmo tempo, o diapasão da reconstrução, em clima de crise, uniu e está unindo as elites políticas na direção de respostas e soluções, ainda que esta união seja, provavelmente, temporária. É assim mesmo. Nas crises, como nas guerras, mesmo os contrários se unem para enfrentar outro “inimigo comum”, no caso enfrentar os efeitos perversos das calamidades climáticas – frutos das mudanças climáticas e das reações da natureza às imprevidências acumuladas pelas ações de nós, os Humanos, incluindo-se aí as imprevidências e/ou omissões governamentais nos três níveis de governo.
 
Este clima de crise, união e reconstrução poderá estender-se até à chegada das águas de março. O governador Renato Casagrande poderia, então, usar a sua liderança, ampliada na reação à crise, para articular ações estruturais que se agregariam às ações conjunturais já deslanchadas. Articular uma reformulação e ajuste na Agenda de Estado de longo prazo para o estado do Espírito Santo, para além da agenda de governo na crise.
 
Agora e depois das águas de março, esta reformulação e ajuste na Agenda de Estado poderia pautar a temporada político-eleitoral de 2014, aproveitando-se da mobilização da cidadania em torno dos debates eleitorais para reconstruir narrativas e Agendas. Que Agenda de Estado é ou seria esta? Não me refiro ao Plano de Governo articulado na Era Hartung e atualizado já na gestão Casagrande, divulgado recentemente para apontar intenções de caminhar para um denominado Quarto Ciclo de Desenvolvimento, centrado na busca da inovação, competitividade e premissas da Sociedade do Conhecimento. São intenções válidas e relevantes.
 
Entretanto, as intenções precisam do respaldo da construção política para articular vontades, forjar consensos e direcionar a ação. Refiro-me a esta construção política. Penso que o momento histórico de crise-reconstrução pode gerar uma janela histórica para forjar consensos que resultem no ajuste da Agenda de Estado capixaba. Isto porque alguns já falam em Terceiro e Quarto Ciclo de Desenvolvimento, mas na verdade o estado ainda não “concluiu” a Agenda de Estado do então chamado Segundo Ciclo. Por isto, a agenda do Segundo Ciclo está , digamos, retardando a Agenda do Terceiro Ciclo e dificultando a abertura de possibilidades para um eventual Quarto Ciclo. Explico-me.
 
No Segundo Ciclo, cuja agenda consolidou-se aproximadamente no governo Albuíno Azeredo e estendeu-se pelo governo Vitor Buaiz, a Agenda compreendia: a realização de investimentos em infra-estrutura para preencher os chamados “elos faltantes” no desenvolvimento; a atração de investimentos produtivos com capacidade de agregação de valor e criação de riqueza social; e a construção de clima institucional propício à governança, governabilidade e estabilidade política para atração de investimentos e geração de desenvolvimento.
 
Com esta agenda, esperava-se (e espera-se ainda) “ultrapassar” o caráter de plataforma de produção e exportação de commodities que (ainda) é predominante no processo de desenvolvimento regional. Esperava-se (e espera-se ainda) adensar os efeitos para-trás-e-para-frente das cadeias produtivas locais/regionais/nacionais/internacionais para aumentar a agregação de valor “regional”. E esperava-se (e espera-se ainda) que a construção de um novo clima institucional pudesse contribuir para a rearticulação da correlação de poder “regional”, mitigando a tendência estrutural do estado do Espírito Santo viver sob permanente “ameaça” de tornar-se um misto de Colônia Estrangeira e Território Federal – o que, de minha parte, designei nos idos de 1976/1977 como processo de “desautonomia relativa” do Espírito Santo.
 
Pois bem. Passaram-se os anos, mas a agenda do Segundo Ciclo ainda está em aberto. Ou não está? Como vamos entrar mais vigorosamente no Terceiro Ciclo – o do “boom” da cadeia produtiva do petróleo e gás – e vislumbrar o Quarto Ciclo – o da inovação e da sustentabilidade – se ainda estamos na Agenda de Estado do Segundo Ciclo? É claro que os “ciclos” são também categorias de análise e que podem e devem ter caráter de imbricação. Mas esta imbricação só vai gerar sinergias se houver retroalimentação sistêmica e transversalidade entre componentes essenciais de cada “ciclo”. O que não parece ser ainda o caso.
 
De maneira perspicaz, o professor Arlindo Villaschi chamou a atenção para o problema do processo de “descolamentos” vivenciado pelo Espírito Santo pelo menos na última década: (1) perda da capacidade do governo estadual de liderar a função de planejar os rumos do estado, transferindo esta capacidade para uma organização não governamental de representação de interesses de algumas poucas empresas; e (2) transferência dos centros decisórios dos chamados “grande projetos” ( CST/Arcelor ; Aracruz/Fibria; Vale do Rio Doce/VALE ; Petrobras/Petrobras ) para fora do Espírito Santo.
 
No dizer de Villaschi, “restringir o pensar e o agir político no Espírito Santo aos interesses majoritários dessas e outras poucas empresas…fez com que o estado se descolasse de qualquer movimento contemporâneo da chamada era do conhecimento e da aprendizagem. E mais, de temas portadores do futuro como a biodiversidade e a sustentabilidade” (depoimento à “Século Diário 13 anos”, dezembro/2013).
 
Está claro que não se trata de propugnar que uma formação socioeconômica periférica como é o estado do Espírito Santo se transforme numa “República independente”. Mas se trata, isto sim, de fazer ver e fazer crer que o momento historio de crise e reconstrução pode ser propício para repensar e corrigir os rumos da Agenda de Estado do Espírito Santo, para além do seu Segundo Ciclo de desenvolvimento.
 
Começando pela tarefa de forjar um novo consenso político costurado com base em novas alianças políticas, sociais e empresariais, seja no plano regional, seja no plano nacional, para que o poder político regional tenha capacidade política de influenciar os centros decisórios que articulam as decisões que interferem na direção do desenvolvimento regional. Neste sentido, seria eficaz o fortalecimento de um eixo federativo de alianças entre o governo estadual e o governo federal, a exemplo do que fizeram o governo do estado do Rio de Janeiro e o governo do estado de Pernambuco a partir de 2006.
 
A opção política de reforçar as parcerias público-públicas (estado-União e estado-prefeituras), levaria o governo estadual a ter mais capacidade de articular parcerias público-privadas e a mitigar o poder (desproporcional) dos chamados grandes projetos ( VALE, Fibria, Arcelor, Petrobras, Samarco e outras) na direção do desenvolvimento regional. Que tal costurar a Agenda de Estado a partir desta opção política e, portanto, colocar mais peso público (mas não necessariamente estatal) na correlação de forças regionais, contrabalançando o forte deslocamento dos centros decisórios para fora do estado e para fora do país?

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