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Não existe almoço de graça

Não cabe questionar aqui a competência técnica dos três novos membros da diretoria da Agência de Serviços Públicos de Energia do Espírito Santo (Aspe). Mas foi inapropriada a decisão do governador em nomear três importantes ex-funcionários da Escelsa (hoje EDP Escelsa) para fazer a fiscalização do setor energético no Estado, e, consequentemente, regular os serviços de energia elétrica da EDP Escelsa
O diretor-geral é o engenheiro Henrique Mello de Moraes, que foi diretor-presidente da Escelsa. Completam a diretoria Carlos Yoshio Motoki e Amadeu Zonzini Wetler, ambos também ocuparam cargos importantes na concessionária de eletricidade. 
A primeira suspeição inevitável a se considerar é com relação independência que esses agentes, agora do outro lado do balcão, terão para, por exemplo, autuar a EDP Escelsa por alguma irregularidade. 
Pesa ainda a relação estreita que o governador sempre teve com a companhia. Em 2012, quando estava sem mandato, Hartung foi convidado para fazer parte do Conselho da empresa. O “bico” rendia uma receita extra para o então ex-governador nada desprezível. No ano de 2012, primeiro de Hartung no conselho, a empresa destinou R$ 840 mil para os conselheiros – o que rendeu aproximadamente R$ 105 mil anuais para cada membro. Em 2013, ele repetiria a bolada.
Mais uma coincidência. A empresa também foi cliente da Consultoria Éconos, do ex-secretário da Fazenda de Hartung, José Teófilo de Oliveira. Mais tarde, Hartung passaria a figurar como sócio da consultoria. 
Mas a história que mais levanta suspeição nessa relação entre Paulo Hartung e a empresa é ainda mais antiga. Em 2008, no se antepenúltimo ano de governo, Hartung deu vazão a uma operação que alienou uma área em Vila Velha, de cinco mil metros quadrados, à Escelsa, por R$ 1,9 milhão, sendo que o valor de mercado do terreno estava avaliado em mais de R$ 10 milhões.
A operação de alienação do terreno, no bairro Boa Vista – ao lado do novo Fórum de Vila Velha –, para a construção de uma subestação de energia, foi contestada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Mas Hartung fez uma manobra para garantir a alienação da área, sem a realização de licitação, com o auxílio da Assembleia Legislativa.
Em parecer assinado no dia 23 de julho de 2008, o então procurador do Estado, Roger Faiçal Ronconi, deu início à análise do pedido feito pela Escelsa sobre a possibilidade de aquisição do terreno. Na ocasião, o procurador solicitou à Subprocuradoria de Consultoria Administrativa (SCA) que se manifestasse sobre a legalidade da alienação da área sem o atendimento às formalidades legais.
Na resposta ao pedido, a então procuradora do Estado, Juliana Paiva Faria Faleiro, entendeu que o caso não constituía hipótese de dispensa de licitação consagrada na lei, não sendo vislumbrada, também, situação de inexigibilidade de licitação. O parecer foi aprovado pelo procurador-chefe da SCA, Christiano Dias Lopes Neto, no dia 6 de agosto de 2008, que reforçou o entendimento pela necessidade da alienação do imóvel ser precedida de licitação.
Paulo Hartung apelou então à Assembleia. Ele usou uma “brecha” no Regimento Interno da Casa, que previa a tramitação em regime de urgência dos projetos enviados pelo Executivo a menos de 15 dias do final do ano. O projeto autorizando a alienação foi protocolado no dia 22 de dezembro daquele ano e publicado no Diário Oficial do Estado apenas dois dias depois.
Mesmo sem o aval da PGE para a transação, Hartung encaminhou à Assembleia a Mensagem governamental nº 305/2008 – que se transformou no Projeto de Lei nº 509/2008 –, onde autorizava o Poder Executivo a alienar a área para a construção da Subestação de Energia de Itapoã e da Linha de Distribuição de Energia. A matéria foi lida no expediente da Assembleia no mesmo dia em que foi protocolada — uma verdadeira “tramitação relâmpago”, como estamos acostumados a ver neste terceiro mandato do governador. 
No dia seguinte, a matéria foi colocada em votação no plenário, em regime de urgência, sendo aprovada com os pareceres favoráveis das comissões de Justiça e Finanças.
Naquele mesmo dia (23), o autógrafo de lei (texto aprovado pronto para sanção do governador) foi encaminhado ao Palácio Anchieta. O governador teria o prazo de 30 dias, entre 24 de dezembro e 19 de janeiro, para sancionar – ou vetar – o projeto. No entanto, a disposição de repassar à área para a Escelsa era tamanha que o então governador ratificou a transação no mesmo dia. Desta forma, no espaço de 24 horas, a Lei ordinária nº 9.089 começou a ser discutida e votada pela Assembleia, depois encaminhada ao Palácio Anchieta e, por fim, sancionado pelo governador do Estado.
Para quem interpretou as nomeações da nova diretoria como “normais”, o histórico da relação entre Hartung e a EDP Escelsa permite levantar a suspeição sobre esse novo episódio. Ou alguém ainda acha que existe almoço de graça?

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