Tem um mosquito na tela do meu computador. O alado inseto não pousou ali por acaso, na trajetória entre meu braço direito e o esquerdo, de onde tira seu farto sustento. Não, ele ali fez morada e pouso certo, com caixa postal e tudo. Para nós a vida de um mosquito é breve como os sonhos, mas para ele é uma eternidade, pois nunca ouviu falar de vida após a morte, no Inferno de Dante ou no Paraíso de Milton.
O computador, coitado, se sente humilhado, mas é um objeto insensível, sem vida própria ou mesmo imprópria. Tal como o mosquito, ele também vive às minhas custas, embora em uma interdependência mais justa. Eu propicio a eletricidade que alimenta sua capacidade física e os programas que garantem sua capacidade mental. Ele retribui o favor se tornando a versão moderna dos antigos amanuenses.
John Milton não tinha computador quando escreveu o poema épico Paraíso Perdido, em 1667, com mais de 10 mil linhas de versos. Mas também não os escreveu, pois já estava totalmente cego. O texto foi ditado para amanuenses, muito comuns na época, e aos amigos. Além de cego, Milton estava doente, sofrendo da gota, e traumatizado pela morte prematura da segunda esposa, Katherine, e da filha recém-nascida.
Paraíso Perdido é a história de uma guerra civil entre o céu e o inferno, onde os personagens principais são Deus e Lúcifer. Apesar da época em que foi escrito, também reflete as guerras conjugais, e a ideia do divórcio se manisfesta em muitas passagens. E do assunto ele entendia bem: a primeira esposa, de 16 anos, o deixou dois meses depois do casamento, só retornando três anos depois. Nesses três anos, Milton publicou vários panfletos defendendo a moralidade e necessidade do divórcio.
Também num conceito avançado para seu tempo, a Eva de Milton é apaixonada por Adão mas insatisfeita com sua posição inferior no relacionamento, vivendo em busca de uma identidade própria. Eva é belíssima, inocente, um modelo de boa esposa, mas deseja ter conhecimento, principalmente auto-conhecimento. Embora apaixonada pelo companheiro e sem outras opções no paraísoo, ela se sente “sufocada” pela constante presença de Adão.
Devia ser louvada, não apenas como a primeira mulher, mas como a primeira feminista. Já Milton, apesar dos problemas com os dois primeiros casamentos, e mesmo cego, doente e triste, casou mais uma vez, e ainda achou tempo para escrever uma continuação do livro, Paraiso Recuperado, que não tem a mesma fama do primeiro. Povo gosta mais de drama. O duelo entre o bem e o mal, segundo Milton: Satã: “Melhor reinar no inferno do que servir no paraíso”; Deus: “Por isso eu os fiz livres, e livres eles devem permanecer”.