No início da semana, o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) publicou um artigo no site Folha Vitória em que falava de um elefante colocado na sala: a educação. O ex-governador citou duas informações para basear seu artigo: o alarmante índice de analfabetos funcionais existentes no País e a discussão sobre a disponibilização da educação on-line.
Pois bem. Para início de conversa, devemos lembrar que a bandeira do ex-governador em sua campanha à reeleição para o governo do Estado foi a educação. No segundo mandato, além de reformar algumas escolas, o governo com pompa e circunstância anunciou a distribuição de quadros digitais, que hoje estão subutilizados, quando não, acumulando poeira nos depósitos por falta de capacitação dos professores em usar a ferramenta.
Diante da exposição do ex-governador, a coluna convida para o aprofundamento da questão, bem mais complexa do que a inclusão digital de jovens que muitas vezes não têm sequer carteira para acompanhar as aulas. O problema da educação brasileira tem 512 anos, mas se agravou na elaboração da lei que a organiza no Brasil.
Quando o ex-governador, em seu artigo, fala dos “problemas herdados e oportunidades que surgem, somando-se num cenário em que temos muito de tempo perdido a recuperar e, de igual forma, inéditas chances a aproveitar, para não dizer exigências contemporâneas a cumprir”, vem a questão: quais exigências?
A de um mundo em que o conhecimento é vasto, mas falta capacidade cognitiva para entender, questionar e criticar ou simplesmente a capacidade de ingressar no mercado de trabalho, produzir, consumir e aceitar a realidade como algo imutável e do qual a participação popular é vetada e inútil?
Nesse sentido, gostaria de destacar a desastrosa contribuição do Banco Mundial (preocupado com a falta de mão de obra qualificada para alavancar a economia e aumentar a produção-consumo) e da política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, mantida no governo Lula neste setor em relação à educação e sua errônia e perigosa confusão com qualificação profissional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) vigente hoje no País começou a tramitar na Câmara dos Deputados em dezembro de 1988. O deputado Octávio Elísio foi quem apresentou o primeiro projeto. Já em 1991, com o acompanhamento permanente do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e a criação de uma comissão interparlamentar da qual participaram representantes de todos os partidos, um relatório assinado pela então deputada Angela Amin (PRP-SC), embora não atendesse a todas necessidades da educação brasileira, tinha um viés democrático que garantia uma educação mais próxima do ideal ou não tão próxima de uma aberração.
O projeto seguiu para o Senado em 1994 e com a nova legislatura, iniciada no governo FHC, em 1995, a LDB, com uma manobra do MEC, sofre um golpe regimental. O então senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ) encaminha pela inconstitucionalidade uma série de artigos da lei e apresenta um substitutivo, com um projeto oriundo da Câmara e de autoria do ex-deputado Florestan Fernandes que tratava de bolsas de estudo para pós-graduação. Darcy Ribeiro retirou seis artigos e acrescentou outros 83, deformando o projeto original e passando por cima de seis longos anos de discussão. A partir daí uma luta entre entidades e Congresso foi travada e a lei que rege a educação hoje não contempla as necessidades de escola, da família e, sobretudo, dos estudantes.
Paralelo às movimentações no Congresso, o Banco Mundial, embora só destine 0,5% do total de gastos com a educação, exige participação nas políticas educativas, na forma de gestão e na destinação de recursos. Nesse sentido, fez recomendações como exigências para o financiamento de programas, que aparecem no Planejamento Político-Estratégico do MEC.
Embora o ex-governador esteja preocupado com os índices de analfabetismo funcional, a política de contenção da evasão escolar – sim, os professores tiveram por muito tempo índice máximo de alunos que podem reprovar por cada ano do ensino regular para manter o fluxo de entrada e saída de alunos das etapas educacionais – foi reproduzida em seu governo.
Também no governo Paulo Hartung a educação era vendida como a forma mais rápida de se conseguir um lugar ao sol no mercado de trabalho, teoria, que ao que parece, infelizmente, é encampada pelo atual secretário de Educação do Estado, o físico Klinger Barbosa.
A política educacional no Brasil é baseada nas teorias do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, para quem a educação deve ter uma finalidade. Para Dewey a educação não deveria se restringir conhecimento como algo acabado, mas a habilidade do estudante deveria ser integrada à sua vida como cidadão, garantindo-lhe uma função social.
Devidamente distorcida, a teoria de Dewey serviu à educação brasileira que a usa como justificativa para a adoção de um caminho para a qualificação, apenas. Os cursos profissionalizantes se espalham e se misturam ao ensino básico. Cada vez menos se preocupa com a formação humanística. Tornar o jovem apto para as demandas do mercado de trabalho virou uma meta a ser cumprida.
Mas esse assunto não acaba por aqui.