Meu cronista esportivo preferido, hoje, nunca foi cronista esportivo na acepção que aprendemos a dar à palavra. Todas as vezes, porém, em que ele escreve sobre esportes, notadamente, o futebol, sou obrigado a enviar-lhe mensagens de congratulações e incentivo para que encontre um espaço de maior alcance de leitores para seus escritos, de tão importantes que se tornam as suas abordagens.
Quando cheguei para a Redação de A Tribuna, com 19 anos por completar, encontrei, e convivi com ele pelos cinco anos seguintes, até o jornal fechar em 1984, Luiz Rogério Fabrine. Ele travava discussões homéricas com o Bolão, redator das antigas, por causa de futebol. Ambos comunistas ou anarquistas, sei lá, mas Bolão amava o futebol, enquanto Luiz Rogério considerava, politicamente, alienante o esporte mais popular do País.
Ambos tinham razão, por causa de suas perspectivas. Em boa medida, o futebol foi e é usado para alienar as pessoas, assim como tantos outros temas, como religião, modelos de relações trabalhistas, sistema educacional, filosofias, ideologias, sistemas econômicos e de produção e, até mesmo, a política. Fincadas numa só perspectiva, as pessoas esquecem-se de pelo menos considerar as outras.
O futebol, como os demais temas de interesse humano, é um fenômeno social, por isso que digo que meu cronista esportivo preferido hoje não está na grande mídia, mas apenas circunscrito aos que recebem seus emails e têm o privilégio de ler seu blog Náufrago da Utopia: Celso Lungaretti. Explico, em poucas palavras, a razão da preferência: Celso consegue, sem matar a paixão, fazer uma leitura ampliada do fenômeno futebol.
Nesta quarta-feira, dia 13 de março de 2013, fui com meu filho mais novo e um amigo dele engrossar a torcida capixaba no jogo da recém-renascida Desportiva Ferroviária contra o Atlético Acreano, pela pré-Copa do Brasil.
Não existe melhor lugar de estar num estádio do que no meio de sua torcida. Aliás, costumo dizer que quem frequenta estádio de futebol não precisa de analista. O estádio é o lugar onde todos os fantasmas são exorcizados, o verbo se solta e a catarse coletiva traz um alívio das tensões e estresses.
Onde a mãe é xingada sem a menor ofensa, onde as inversões sexuais são estimuladas aos berros sem o menor pudor e as virtudes femininas, principalmente das árbitras, são enaltecidas, sem repressão moral, por expressões que, fora de seus limites, seriam recebidas como expressões machistas, dignas de reparos.
Saiu dali, a vida volta ao normal, mas estamos mais bem equipados para enfrentar suas vicissitudes, porque nosso estresse foi zerado. Exceto pelos valentões, que não pertencem àquele ambiente, mas a ele invadem para dar vazão aos seus impulsos
destruidores, e que por isso mesmo dali devem ser banidos, o estádio é um lugar onde todos nos igualamos, pela alegria ou pela dor.
A Desportiva quase nos matou a todos do coração, ao vencer por 5 a 4 o representante do modesto futebol acreano, demonstrando que precisamos de uma revolução em nosso futebol, como fenômeno social e de produção de riquezas, de talentos, de arte e, por que não?, de prazer, ainda que por apenas 90 minutos. Mas, cá para nós, lucidez demais, ninguém merece. Melhor que os momentos de “fuga” sejam no abraço alegre ao companheiro de torcida, que você jamais havia visto antes.
Está provado que o capixaba gosta e quer futebol. Basta um momento como este para que todas as tribos se encontrem nas arquibancadas com um propósito comum. Os defensores de determinadas ideologias, inflexíveis, farão seus discursos radicais contra a catarse coletiva.
Esse grito virá dos pretensos líderes de massas sindicais ou políticas, e até mesmo dos que somente olham o indivíduo como uma peça da engrenagem de sua máquina de produzir “mais valia”. Para aqueles e para estes, repito o sonoro grito da torcida quando o juiz erra na marcação do impedimento do David Dener, vigoroso atacante grená.
A presença e paixão do público nas arquibancadas dos promissores jogos nos estádios capixabas (e não me venham com gracinhas a esse respeito, seus telespectadores de poltrona!) deveriam merecer uma análise mais série de nossas elites políticas e empresariais. Mas que não seja apenas para usá-lo em busca de voto e prestígio político, como se fez nas últimas décadas, aqui e acolá, pelos rincões brasileiros.
A propósito: a Desportiva passou de fase e vai enfrentar o Figueirense, de Santa Catarina, no dia 10 de abril, no Estádio Engenheiro Araripe, que agora está virando Arena Unimed-Sicoob. Dá para arrumar esse sistema defensivo, pelo amor de Deus? Dá para arrumar esse meio de campo? Para não dizerem que não fiz crônica esportiva.
José Caldas da Costa é jornalista, licenciado em Geografia. Atuou por
30 anos como cronista esportivo. Contatos: [email protected]