Já vimos inúmeros filmes sobre malas trocadas nos aeroportos, mas na vida real quem, em sã consciência, descuida da mala recheada de dólares ilícitos ou informações altamente secretas? Malas com conteúdos mais modestos, no entanto, eram frequentemente trocadas, até que alguém teve a boa ideia de atar fitinhas coloridas nas alças… Para facilitar a identificação? Esse gênio era um baiano supersticioso que pendurava fitinhas do Bonfim em suas malas para protegê-las de acidentes, roubos, trocas e mau-olhado.
Os não iniciados pensaram que era um novo método de identificação, e a moda depressa se espalhou pelo mundo. O problema da troca de malas foi minimizado, mas não inventaram ainda um truque para os distraídos. M chega de Miami, pega a mala na esteira e dispara pelos longos corredores dos imensos aeroportos, com pouquíssimo tempo para chegar em outro andar, outro guichê, outra fila, e embarcar em outro voo para outra cidade. O tempo para tal proeza exige preparo físico e se perder, o próximo voo só sairá no dia seguinte.
A bagagem de M consistia de roupas da Ross, eletrônicos da Best Buy, e os cobiçados lançamentos da Apple. Até a mala era nova, e embora comprada no Walmart, era bonita e tinha um modelo original, fácil de identificar. A velha malona preta desmanchando as costuras, faltando rodinhas e sem uma das alças que levou na ida foi parar na lixeira do hotel onde se hospedou. Na verdade com alguma pena, pois o acompanhou em muitas viagens pelo mundo – M é sentimental.
Talvez por distração ou cansaço pela longa noite mal dormida, ou pela preocupação de perder a conexão, ao invés da mala nova, M pega uma mala preta, igualzinha à que jogou fora na véspera. Só ao chegar em casa percebe a tragédia – além de velha, a mala só tinha papel. Como uma pessoa em sã consciência volta de Miami com a mala cheia de papel? Documentos altamente secretos que só podiam ser entregues pessoalmente? Cópia única de uma grande obra literária?
Talvez um estudo sobre cintos de castidade no Século X? Ninguém comenta, mas houve um século X, e até mesmo um Século I. Além da Bíblia, quem mais conta histórias do Século 0? A papelada, armazenada em caixas de sapato – outro desperdício de peso e espaço – era um gordo e minucioso esquema para ganhar na loteria da Flórida. Supersticioso que nem o baiano das fitinhas, M depara com um terrível impasse…
E se o tal esquema funcionar? Talvez o destino tenha posto aquela mala em suas mãos, e ali estava sua chance de ficar rico. Fez as contas… quanto tempo levaria para a empresa aérea rastrear a mala perdida, conectando-a à que ficou para trás? Teria tempo de desmembrar aquela papelada toda e achar os números mágicos? M fica dias sem trabalhar e noites sem dormir, isolado na casa de um amigo para não ser encontrado pelo pessoal da TAM.
Por fim destrincha o segredo do esquema, e feitas as contas, conclui que vai precisar de 1.235.470 bilhetes para ter 60% de chances de ganhar! A $1 dólar o bilhete… Em não estando acumulada, a o prêmio é de 3 mil dólares, pagos em suaves prestações durante 20 anos! Fora os impostos, mas com juros. M devolve a mala, mas põe dentro um recado: “Em troca de devolver seu esquema, quero a metade do que ganhar. Anotei todos os números.”