Seis da manhã, um monge sobe ao cume da mais alta montanha, procurando Deus. O dia nasce límpido, permitindo que enxergue longas distâncias, e uma vasta extensão do mundo se descortina a seus pés. Mesmo assim, apenas uma floresta preenche seu campo de visão – sem altos edifícios se desenhando no horizonte, sem modernas auto-estradas encurtando distâncias, sem fumaça de grandes fábricas, sem o barulho de carros e aviões unindo ou separando os homens.
Nesse mesmo momento, um escritor se isola em seu escritório, senta-se na frente de um moderno computador, e começa a escrever. Como sempre acontece, a ideia ainda é vaga, mas vai aos poucos se transformando em palavras, sentenças, parágrafos – e nasce uma história. Não decidiu ainda se será um conto, um romance ou um filme, mas terá personagens que se encontram e se separam, se ajudam e se prejudicam, se amam e se odeiam.
Não sabe ainda o que essas pessoas farão ou deixarão de fazer para conquistar o interesse do leitor e lhe garantir uma boa vendagem, talvez até um cobiçado lugar nas listas dos mais vendidos. Mas sabe que serão fortes e poderosas, líderes que comandam e controlam outras pessoas, e que sofrerão por suas escolhas. No final serão felizes, pelo menos na última página, pouco antes do ponto final, porque o feliz-para-sempre é uma utopia. O escritor é realista.
Meio dia, o sol mais alto no céu, o monge consegue distinguir o nublado desenho de uma pequena aldeia, muito distante do ponto onde está. Dá para perceber o riscado sinuoso de cercas – pequenos quadrados que delimitam propriedades e existências. Uma rua estreita corta o vilarejo de um ponto ao outro, ou religa a floresta interrompida por sua existência. Um pequeno rio serpenteia indeciso entre o verde da mata e esse aglomerado de vidas.
O monge come sua refeição frugal – pão e peixe frio – e fica imaginando as vidas que se desenrolam nesse lugar tão ermo, sem televisão, sem Internet, sem telefone celular, talvez até sem relógios. O tempo é marcado pelo levantar e o pôr do sol, as refeições se definem pela hora da fome. No entanto, são pessoas iguais às que habitam a grande cidade de onde veio, e se comprazem nas mesmas pequenas querelas diárias – se encontram, se amam, se ajudam.
Por certo se esmeram no cumprimento do dever diário e em manter um bom relacionamento entre todos, condição sine qua non para sobreviver em um lugar tão isolado. Se unem ou perecem; a força de todos é a soma das fraquezas de cada um. Nesse momento o escritor para o ato de criar vidas e vai almoçar. Sozinho, mas a mesa farta daria para alimentar toda a aldeia que o monge observa atentamente.
Ao fim do dia o monge desce a montanha, consciente de sua arrogância – não será no alto da mais alta montanha que encontrará Deus, mas entre as pessoas simples daquele vilarejo. Ao mesmo tempo, o escritor aperta um pequeno botão em seu computador – SALVAR – e vai dormir satisfeito. Sente-se um deus, com o poder de criar vidas que serão conhecidas e admiradas, influenciando milhares de outras pessoas no mundo todo.