A juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Telmelita Guimarães Alves, jogou uma pá de cal, das grandes, nas pretensões daqueles que ainda acreditavam que os suspeitos de envolvimento na Operação Naufrágio um dia seriam punidos exemplarmente.
A magistrada, contrariando o entendimento do Ministério Público Estadual (MPES), absolveu o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), desembargador aposentado Frederico Guilherme Pimentel, e mais seis pessoas por improbidade. Eles eram acusados de envolvimento em fraudes de concurso público na corte maior do Estado.
Na sentença do último dia 19, Telmelita concluiu que não houve irregularidade alguma no processo seletivo de serventuários, realizado no ano de 2004. A Fundação Ceciliano Abel de Almeida (FCAA), responsável pelo concurso, também foi inocentada. A juíza não viu nada de irregular no processo de seleção organizado pelo instituição. Tudo limpo e regular.
A decisão da juíza Telmelita chama atenção porque contraria todas as evidências que vinham sendo sustentadas sobre fraude em concursos, desde que a Naufrágio foi deflagrada, em dezembro de 2008.
Ao longo desses seis anos, um cabedal vigoroso de provas mostrou que o nepotismo corria solto no TJES, mas não foi isso que a juíza enxergou.
Para Telmelita, “o concurso público transcorreu de forma normal, sem qualquer indício de privilégio aos réus do processo ou terceiros”.
Na denúncia, a Promotoria apontava, por exemplo, irregularidades na correção das provas e anulação de questões. A juíza não concordou. No entendimento da magistrada, se houve anulação de questões, beneficiou a maioria dos candidatos, e não apenas o grupo que a Promotoria acusa de ter sido supostamente beneficiado.
Com relação às evidências que recaíam sobre o ex-presidente do tribunal, Frederico Pimentel e família, a juíza também considerou as provas obtusas para responsabilizar o clã Pimentel de ter sido beneficiado. Palavras da magistrada: “A mera aprovação de determinado candidato, com relação de parentesco com algum outro membro do Poder Judiciário, por si só, não é o bastante para concluir da forma que sugere o autor, a saber, de favorecimento e imparcialidade do réu”, sustentou.
Bernardo Alcuri de Souza, que presidiu a banca do concurso, também foi inocentado por Telmelita. À época, segundo a denúncia do MPES, o juiz teria facilitado a aprovação de sua mulher no concurso como escrevente juramentada.
A magistrada contestou a alegação. Afirmou que na época dos fatos a candidata ainda não era casada com o juiz – como se a relação afetiva não fosse suficiente para o juiz favorecer a namorada ou noiva. Mas a sustentação mais curiosa aparece em seguida. A juíza acrescentou que a moça tinha formação acadêmica compatível para ser aprovada na seleção.
Ora, os dois argumentos são um tanto inconsistentes. Sustentar que o fato de o juiz ainda não ser casado com a moça na época do concurso o isenta de ter favorecido a candidata não parece plausível. Mais estranho ainda é sustentar que a formação acadêmica compatível com a função almejada justifica a aprovação. Esse argumento é de uma subjetividade ímpar.
A maneira como a juíza vai minando as evidências apresentadas pela Promotoria suscita duas conclusões: ou MPES não sabe construir suas acusações ou a Justiça julga os colegas com certa parcimônia.
Poderíamos concluir também que o Conselho Nacional de Justiça, no caso específico das fraudes em concurso do TJES, também viu “pelo em ovo”, como a Promotoria.
Em 2011, o CNJ entendeu que houve irregularidades no concurso, mas achou mais sensato não anular o certame para não prejudicar os candidatos aprovados que agiram de boa-fé. Na época, o Conselho sustentou as irregularidades com base nas gravações de áudio que evidenciavam a manipulação no concurso.
A decisão da juíza Telmelita deixa claro que há uma “movimento” para sepultar aquele que se constituiu no maior escândalo do Judiciário capixaba.
Para provar que a tese faz todo o sentido, basta olhar para o rastro de impunidade que a Naufrágio vem deixando. Passados mais de seis anos do escândalo, ninguém foi punido.
Alguns advogados envolvidos pegaram punição que variaram de 30 a 90 dias. Só. Os filhos do desembargador Pimentel, no final das contas, se deram bem. A Primeira Turma do STJ declarou nulo todo o procedimento disciplinar contra a ex-servidora Roberta Pimentel por irregularidade na comissão processante. As coisas se inverteram, a decisão de maio do ano passado obriga a reintegração de Roberta no cargo e o pagamento de vencimentos retroativos. O motivo da anulação foi um erro de procedimento dos magistrados capixabas. A comissão aberta pelo TJES contra familiares de Pimentel foi composta apenas por magistrados, enquanto a legislação prevê que as comissões devem ser formadas por servidores públicos.
Se foi um erro, foi tão primário que dá margem para a tese da má-fé. O fato é que a decisão do STJ abre um precedente para os outros acusados. Caso, por exemplo, da outra filha de Pimentel.
A nora de Pimentel, a ex-juíza Larissa Pignaton Sarcinelli, mulher do ex-juiz Fredinho Pimentel, foi aposentada compulsoriamente e recebe (proporcionalmente pelo tempo em que ficou na magistratura) do TJES cerca de R$ 5 mil de aposentadoria. Nada mal. O marido, Fredinho, só não conseguiu o mesmo benefício porque ainda estava na fase de estágio probatório.
O pai, Frederico Pimentel, também foi aposentado e continua recebendo seu salário de desembargador aposentado regularmente. Afinal, não há ainda nenhuma condenação contra Pimentel.
A propósito, a ação penal da Naufrágio, continua adormecida no STF. Em breve deve seguir para o STJ, mas ainda não há data definida para a movimentação.
Enquanto isso, a vida segue no Espírito Santo. Decisões como a de Telmelita vão sendo proferidas para que os acusados, mais tarde (muito mais tarde, talvez quando muitos dos desembargadores acusados já estiverem aposentados ou mortos), possam usá-las como subsídio para sustentar sua inocência. Afinal, a impressão que se tem, com a seguidas remissões, é de que tudo não passou de um grande equívoco. Não é verdade?