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O que fazemos na pandemia

Para manter a distância social recomendada, não estou mais apertando mãos, abraçando ou trocando beijim-beijim

A televisão e o computador, obviamente, foram os itens que mais ocuparam o tempo dos reclusos nessa fase do social isolado. No honroso terceiro lugar estão os livros, embora a preferência do leitor tenha mudado e os campeões de vendas já não são como antes. Em alta: romances femininos, livros de colorir para crianças, livros de atividades, jogos e hobbies, culinária. Em baixa: guias de viagens, livros escolares. Os mais requisitados são os audiobooks, que vendem mais nas livrarias do que online. A venda de roupas e acessórios caiu 50%. Supondo-se que estão todos trancados em casa, até que venderam bem. Talvez os preços tenham caído tanto que os mais otimistas resolveram estocar para eventos futuros. Ou se engalanar para ir tomar a tal vacina.

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Outras mudanças estão ocorrendo nos hábitos literários da população enclausurada. Os livros já lidos não são mais enviados para a reciclagem ou jogados na lixeira: com o advento do Zoom, Facetime, e similares, os bons livros ganharam outra utilidade: devidamente empilhados, escondem as áreas indesejáveis que ‘pegam mal’ nas câmeras, como a pia cheia de panelas sujas, a montanha de roupas usadas nas poltronas, os copos com vestígios de vinho pelos cantos, os pratos com restos de comida esquecidos nas mesas. Os livros podem formar uma ‘parede de cultura’ entre você e o mundo.

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O maior problema, no entanto, é a falta de tempo quando você pensa que tem tempo sobrando. Disse o náufrago na ilha deserta: passei o dia todo ocupadíssimo em não fazer nada. Não sei se você tem o mesmo problema, mas minha lista de coisas adiadas por falta de tempo continua tão longa como quando foi elaborada, logo que começou o lockdown. Livros e revistas para ler, filmes a ver, armários para organizar, pintar o rodapé, ligar para os contatos imediatos de qualquer grau…escrever todas as colunas para os anos futuros, tentar aquela receita de talharim alla passionara que está na porta da geladeira há meses. Responder todos os emails e mensagens de texto. Escrever o romance do século, e que não seja sobre a pandemia.

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Mas nunca se sabe…Um dos livros mais procurados nesses dias turvos é A Peste, de Albert Camus. Que embora tenha sido inspirado numa pandemia de cólera que dizimou grande parte da população da Argélia em 1849, é uma metáfora da Segunda Guerra. Tal como os maus políticos, guerras, epidemias e pandemias estarão sempre entre nós, complicando a vida e a arte. Os efeitos de qualquer um desses desastres sociais, em qualquer tempo e lugar, são irreparáveis e deixam sequelas indeléveis, mesmo se trazem grandes progressos para a humanidade. As guerras napoleônicas nos deram a comida enlatada, a avalanche nazista pôs a mulher no mercado de trabalho.

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Em 1890, um bibliotecário declarou que a vida só ficará mais fácil quando “desinfetarmos nossos livros, fervermos nosso leite, filtrarmos nossa água, matarmos nossos gatos, pararmos de andar de táxi, usarmos máscaras e pararmos de apertar as mãos de nossos amigos”. Bom conselho para evitar a próxima pandemia. Enquanto essa não nos deixa e outra não chega, convém relaxar: “Para manter a distância social recomendada, não estou mais apertando mãos, abraçando ou trocando beijim-beijim. Mas você pode se ajoelhar ou curvar-se em reverência, desde que mantenha uma distância segura”.

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