Se Paulo Hartung (PMDB) e Luciano Rezende (PPS) estivessem disputando uma partida de xadrez, o lance dessa quinta-feira (30) do prefeito de Vitória, ameaçando tirar a gestão do sistema de água e esgoto das mãos da Cesan para entregá-la a outra empresa pôs o rei, ou melhor, o governador em xeque.
Mas esse xeque de Luciano, além do elemento surpresa – geralmente o xeque costuma surpreender o adversário – tem outra peculiaridade: é um xeque de peão. Data vênia, sem querer diminuir o prefeito ao compará-lo a uma peça de hierarquia menor no tabuleiro. Mesmo porque, no xadrez, um mero peão, muitas vezes, pode decidir uma partida justamente pela imprevisibilidade.
Mas xeque de peão é sempre surpreendente. Vejamos por quê. Hartung, que veio de uma queda de braço recente para manter o controle sobre a Amunes, viu na disputa pela entidade que representa os municípios uma simulação dos movimentos eleitorais de 2018.
Mas o governador, mesmo sendo um hábil enxadrista, se ateve às “peças” que considerou mais ameaçadoras, usando como critério a hierarquia. Ele não escondia que sua preocupação maior era com a “rainha”, a senadora Rose de Freitas (PMDB). A exemplo da poderosa peça do xadrez, Rose se mexe de todas as maneiras no tabuleiro, especialmente o do interior. De trás pra frente, de frente pra trás, pelos lados, nas diagonais. Uma mobilidade que toma a atenção do adversário quando começa a se movimentar no tabuleiro.
Ainda de olho nas peças potencialmente mais perigosas, Hartung não deixa de monitorar o ex-governador Renato Casagrande (PSB), com quem disputou a última eleição. Se bem que a essa altura do jogo Casagrande faz um papel apenas burocrático. Um adversário coadjuvante. Transpondo para o xadrez, neste momento, ele seria torre ou bispo. A primeira se move em linha reta, horizontalmente e verticalmente, mas costuma ficar imobilizada pelas peças da frente; a segunda também tem movimentos pragmáticos, costuma ser auxiliar, mas geralmente não é decisiva.
Há ainda o cavalo. Peça que se encaixaria bem no perfil de Ricardo Ferraço (PSDB). O senador acompanhou a eleição da Amunes à distância, mas Hartung não gosta de perdê-lo de vista. Ele sabe que o cavalo é a única peça do tabuleiro que pode pular sobre as outras. No caso específico desse “cavalo”, a prudência manda monitorá-lo mais de perto, porque descende de uma estirpe tradicional da política capixaba, cujo pai, Theodorico Ferraço (DEM), é uma verdadeira águia — que já faz parte de outro jogo.
Mas voltando ao singelo peão, das peças posicionadas, Luciano, no embate da Amunes, era a que se mostrava mais inofensiva. Não se meteu em polêmica. Não foi a Brasília com a turma de Rose e tampouco escolheu um dos lados: de Gilson Daniel ou de Guerino Zanon.
Por isso, o lance de Luciano foi tão inusitado. Para desconcertar um enxadrista do nível de Hartung só mesmo uma jogada surpreendente. E a jogada contra a Cesan foi insólita. Luciano atacou justamente a jóia mais preciosa da coroa. Entrou no palácio pela porta da frente, nas barbas do rei, sem ser notado. Quando o rei se deu conta, se viu confrontado de maneira capital pelo prefeito.
Xeque de peão costuma desequilibrar o adversário pela ousadia da jogada. Luciano não derrubou o rei, mas que Hartung balançou, balançou.