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O rentismo na parede

O economista Delfim Netto, o poderoso ministro da Fazenda da ditadura militar, escreveu dias atrás um artigo intitulado Rentistas, no qual fala dos “grupos sociais com interesses comuns (que) tendem a associar-se para, através do governo, extrair rendas imerecidas que geram ineficiência produtiva  e têm seus custos diluídos por toda sociedade. ”
 
São muitos e diversos os ex-ministros da Fazenda que dão palestras ou escrevem artigos carcando regras sobre como fazer o que não fizeram por não poder ou não sabê-lo. Mas Delfim Netto se supera: ele aponta o dedo para a própria cabeça ou para aqueles a quem favoreceu quando estava no governo. Não que não esteja  no Poder: todo mundo sabe que ele dá conselhos à presidenta Dilma.
 
Talvez seu artigo vise justamente sensibilizar La Dona, para que tenha coragem de atacar os rentistas. Talvez ele esteja querendo fazer as pazes com sua consciência. Na juventude se dizia socialista fabiano. Na maturidade, como sabemos, foi oficiante do milagre econômico brasileiro, que concentrou renda nas elites econômicas enquanto tirava o sangue das classes média e operária.
 
Para melhor oficiar a missa negra do Brasil Potência, ficção da Escola Superior de Guerra, Delfim chegou a adulterar índices da inflação há 40 anos. Foi um ato de incúria administrativa praticado com propósitos politicamente perversos num momento em que a Imprensa estava amordaçada e o Congresso acuado.
 
Como estava a serviço do Sistema, o superministro não foi sequer acusado de prática ilícita. Pelo contrário, foi depois várias vezes eleito deputado federal pelo partido liderado por Paulo Maluf, o maior salafrário político surgido do ventre da Ditadura. 
 
Agora, com mais de 80 anos, na plenitude de sua sabedoria, Delfim olha para trás e parece buscar algum tipo de absolvição para seus pecados.
 
Talvez mereça indicação ao Nobel de Hipocrisia.
 
Talvez esteja querendo dar subsídios ao governo no sentido de operar-se o milagre econômico ao contrário. Ou, seja, fazer algo como aprofundar o Bolsa Família por meio de um programa mais intenso de transferência de renda, tendo como alvos os rentistas e seus similares. Quem sabe o IGF – Imposto das Grandes Fortunas? A Reforma Agrária de verdade?
 
Os rentistas são originalmente os que vivem de rendas da poupança e de investimentos de capital. Misturados a eles se encontram investidores de longo prazo, especuladores de fôlego curto, banqueiros, corretores, financistas e outros praticantes impunes de crimes do colarinho branco ou contra a economia popular.
 
São criminosos difíceis de enquadrar judicialmente porque operam dentro da lei, dispõem de bons advogados e se aproveitam de oportunidades especiais, casuísmos, manipulações e jogadas executadas à sombra da própria estrutura do Poder e que poderiam ser caracterizadas como corrupção, caso o Brasil não fosse um país com tradição em falcatruas que não deixam rastros.
 
Segundo o surpreendente artigo de Delfim Netto, os caçadores de renda vivem comodamente entre nós sem serem  percebidos. Eles  obtêm: 1) proteção tarifária exagerada; 2) benefícios fiscais duvidosos; 3) empréstimos a taxas de juros negativos; 4) privilégios corporativos como servidores públicos dos três Poderes e das poderosas empresas estatais; 5) regulamentação duvidosa que finge proteger o consumidor, mas protege, de fato, o prestador de serviços; 6) contratos de concessão através de corrupção; 7) estranhos benefícios como os de ‘organizações não governamentais’   ligadas a partidos políticos e financiadas apelo governo; 8) renda protegida pela correção monetária  automática etc.
 
Admirável Delfim Novo! O ex-ministro talvez mereça ser nomeado para um cargo tipo Inquisidor Geral das Finanças Nacionais. Sua missão seria aprofundar a lista contida no parágrafo acima e acionar os mecanismos legais disponíveis para erradicar os cânceres da administração fazendária brasileira – algumas aperfeiçoadas por ele, como o item 8 da lista acima, que termina com a seguinte ressalva: “É preciso dizer que os beneficiários dos programas civilizatórios de combate à miséria e à desigualdade, que sempre podem ser aperfeiçoados, não se enquadram nessa categoria”
 
Ora vejam só, além de isentar os governos petistas pela criação do Bolsa Família, geralmente atacado pela Direita, Delfim esboçou o mapa da criminalidade protegida pelo Poder. Convenhamos, esqueceu coisas como a “criação de dificuldades para vender facilidades” no serviço público, por exemplo. Ou o famoso “É dando que se repete”. O “Sabe com quem está falando?” Os lobbies. A advocacia administrativa. O leilão de incentivos fiscais ao desenvolvimento. A compra e venda de pareceres jurídicos. O tráfico de influência nos ministérios e no Congresso. A compra de Letras do Tesouro Nacional e papéis da República Federativa do Brasil, patrocinadora do endividamento generalizado que permeia a realidade de todos.
 
A um ano das eleições para presidente, nasce uma esperança. Nunca antes nesse país um ex-ministro da Fazenda foi tão longe ao apontar a relação perversa entre a apropriação de renda pelas elites viciadas no não-trabalho e a incapacidade da sociedade de gerar o desenvolvimento econômico com justiça social. É por isso que estamos sempre patinando no mesmo lugar.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“O rabo está balançando o cachorro”
 
Pedro Malan, ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ao referir-se ao peso do endividamento na economia brasileira

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