Plataforma enfrentou bloqueio e possível banimento
O Telegram teve seus principais problemas em países europeus e na China, sendo que, no Reino Unido, a plataforma foi usada na organização de protestos anti-imigração, depois que três meninas morreram no norte da Inglaterra. Canais do aplicativo foram utilizados por extremistas para propagação de ódio contra muçulmanos e o compartilhamento de informações sobre alvos de ataques.
O Reino Unido considera agora o uso da Lei de Segurança Online, visando restringir o acesso a aplicativos de mensagens privadas, mas o Telegram ainda não foi proibido. O governo tem a intenção de agir contra plataformas que estimulam agitações políticas extremistas, contudo, o Telegram continua funcionando no país.
Na Espanha, por sua vez, um juiz do país baniu temporariamente o Telegram, depois de reclamações sobre divulgação sem permissão de conteúdos protegidos por direitos autorais. Após solicitar informações sobre o caso e não receber respostas da plataforma, este juiz ordenou o bloqueio da mesma. A decisão acabou revertida depois de críticas sobre o possível impacto desta sobre milhões de usuários.
A Alemanha cogitou banir o Telegram diante da descoberta de dezenas de canais que possivelmente violavam leis do país contra discursos de ódio e no meio deles existiam canais antissemitas. Por fim, a plataforma acabou multada em 5 milhões de euros por descumprimento da legislação, sendo que esta afirmou que iria cooperar na remoção de conteúdos ilegais.
Na Ucrânia, após a invasão russa, o Telegram se tornou o principal meio de comunicação do país, sendo usado nas linhas de frente dos campos de batalha e pelo próprio presidente Zelensky. Por outro lado, a plataforma é usada por russos para disseminar desinformação. O banimento do Telegram, então, entrou na pauta ucraniana, a não ser que a empresa abrisse um escritório no país e removesse conteúdos nocivos. Por fim, o Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia restringiu o uso da plataforma em dispositivos oficiais após receber evidências de que o serviço especial russo poderia espionar as mensagens e os usuários.
Na China, o Telegram está bloqueado desde 2015. A censura da plataforma no país teve como causa, segundo alguns relatos, um ataque de negação de serviço distribuído (DDoS) sobre a mesma. Outros dizem, no entanto, que o bloqueio do aplicativo foi para barrar críticas contra o governo e o Partido Comunista Chinês. Portanto, o Telegram enfrentou problemas de bloqueio e possível banimento diversas vezes e em diferentes países, muito se devendo ao fato de que o algoritmo da plataforma faz recomendações tóxicas.
Como foi dito, no aplicativo é registrada a presença de grupos antissemitas e supremacistas, fraudes, pedofilia, terrorismo e tráfico de drogas e de armas. Quando se faz uma busca por “Donald Trump”, por exemplo, segundo demonstração da pesquisadora-chefe do SPLC, Megan Squire, se chega logo a indicações de canais promovendo o Q-Anon. Isso faz parte de uma investigação de 28 mil canais no aplicativo para o relatório chamado “As Recomendações Tóxicas do Telegram”.
Foi feita, ainda, outra pesquisa de busca sobre revoltas no Reino Unido que levaram a sugestões de canais de grupos violentos de extrema direita. O Telegram, mais uma vez, relatou que suas equipes de moderação, além de sua ferramenta de inteligência artificial, removem milhões de conteúdos considerados ilegais ou tóxicos diariamente. Sendo que o usuário só recebe pelos conteúdos que assina, uma vez que a plataforma não faria promoção de conteúdo.
Em 2020, o negacionismo científico, durante a Covid-19, tomou como plataforma principal o Telegram, uma vez que o Parler, apesar de ser, até então, o aplicativo preferido da extrema direita, ficou, por um tempo, fechado. Com o protagonismo do Telegram na presença de usuários de extrema direita na pandemia, a plataforma se tornou um foco de campanhas de desinformação e fake news, sobretudo de cunho negacionista da ciência.
O caráter de sigilo da informação propagado pela administração da plataforma, sendo então o Telegram conhecido por sua segurança de dados, no entanto, não se configura desta forma na prática, tal como imagina a maioria de seus usuários. Na verdade, no quesito confidencialidade de conteúdo, a plataforma está atrás de outras semelhantes.
O Telegram, para deixar claro, não possui a propalada criptografia da ponta a ponta. Tal criptografia existe, de fato, nos aplicativos WhatsApp e Signal, em que os dados são mantidos encriptados entre emissor e receptor, sem a participação de um terceiro. No caso do Telegram, a criptografia se dá entre o emissor e o servidor e daí entre o servidor e o receptor. E o problema reside na falta de clareza da comunicação do Telegram sobre isso, pois a mensagem, ao chegar no servidor, é desencriptada, e aparece no formato de texto.
Embora seja possível mudar a configuração para permitir a criptografia ponta a ponta no Telegram, não é algo fácil de fazer, e não funciona para todos os tipos de chats. Acaba que quase tudo que é escrito na plataforma é armazenado em seus servidores, com acesso de Durov e de sua equipe a esse conteúdo, o que coloca o Telegram, na verdade, como um aplicativo bem vulnerável em termos de privacidade. Outro agravante é o fato de se ignorar onde tais servidores estão localizados, uma vez que o Telegram não divulga essa informação.
Mais uma dificuldade é que o Telegram não foi fundado nos Estados Unidos, como a maioria dos outros aplicativos de mensagens, sendo administrado por Durov, um russo que deixou seu país para evitar pressão do governo e que, a partir daí, mudou a sede da empresa por diversas vezes, passando por Berlim, Londres e Singapura, até finalmente se instalar em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Tais mudanças podem implicar um modo de evitar os agentes da lei. Por sua vez, a sede em Dubai dá credibilidade a Durov em relação aos usuários da plataforma, pois denota a independência da empresa de influências dos poderes estatais, uma vez que, por exemplo, o CEO não pode ser tão facilmente perseguido por autoridades alemãs e norte-americanas. Por outro lado, o fato da administração do Telegram ser inacessível prejudica os usuários, pois caso alguém seja vítima de um golpe dentro da plataforma, não tem a quem recorrer. Tal distância, por fim, só beneficia os usuários criminosos, pois, caso alguma autoridade tente identificá-los, terão dificuldades de acesso a informações para fazer isso.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: poesiaeconhecimento.blogspot.com