Fato bizarro ocorrido em julho passado, na Câmara de Vitória, evidenciou o descaso com que as pessoas com deficiências são tratadas pelo poder público no Espírito Santo, seja não facilitando seu acesso a repartições e órgão governamentais, seja ignorando leis de longa data que regulam o assunto.
O 1º Fórum Municipal de Acessibilidade, que estava previsto para ser realizado no plenário na Câmara, por iniciativa da Frente Parlamentar de Acessibilidade da própria Casa, teve que ser transferido para a Assembleia Legislativa, porque não havia como cadeirantes, por exemplo, adentrarem ao local do evento. Relatando assim o fato, parece piada de mau gosto, mas mostra como pessoas com deficiências em geral são tratadas, apesar de estarem constitucionalmente contempladas por todos os direitos assegurados aos brasileiros.
O tema do fórum – “Construindo uma cidade sem barreiras” – era extremamente pertinente a uma área urbana como Vitória, comandada por um prefeito indiferente às necessidades especiais de uma parte da sua população. De fato, são antigas as críticas às calçadas precárias, à falta de semáforos sonoros e, sobretudo, a um serviço de vital importância, o “Porta a Porta”, programa municipal de transporte público para pessoas com deficiência.
Houve até decisão judicial provocada pelo Movimento Organizado de Valorização da Acessibilidade (Mova), que obrigava Luciano Rezende (PPS) a melhorar o serviço, mas passado alguns meses, ele continuou operando com uma frota de apenas cinco veículos, em vez de 13, como se reivindicava. E a situação, como era de se esperar, só se agravou no decorrer do tempo, com o crescimento da fila de pessoas que dependem do serviço.
Problemas de acessibilidade também acontecem na própria Prefeitura de Vitória. Apesar das rampas no seu interior, não há funcionários capacitados para lidar com deficientes visuais que lhes deem orientação adequada. Um problema de fácil solução, que se soma a vários outros que se tornariam praticamente inexistentes, caso o prefeito tivesse capacidade de enxergar mais longe e criasse uma secretaria específica para atender a essas demandas.
No caso da Câmara da Capital, o presidente e correligionário do prefeito, Vinícius Simões, também não cumpre seu papel, ao deixar de homologar o plano que garantirá a acessibilidade à Casa, como se comprometeu em maio deste ano. Houve reunião para discutir o tema essa semana, mas faltou o principal: efetivar o plano, para realizar obras já no recesso.
A Capital, porém, é apenas a ponta do iceberg dos problemas com que se defrontam as pessoas com deficiência no Estado. Em outras cidades, a omissão dos prefeitos também é grave. O poder público, pela inércia e desdém, só costuma agir sob pressão de decisões judiciais. Como aconteceu, aliás, há poucos dias, em Nova Venécia, graças a uma iniciativa da Associação de Defesa de Pessoas com Deficiência (Apasod). Ela obteve liminar na Justiça obrigando a Prefeitura a oferecer acessibilidade em sua sede.
Claro que qualquer iniciativa do poder público parece mais um favor a pessoas com deficiência do que uma obrigação. Algo que, no fundo, sugere preconceito disfarçado de boa ação social e governamental, quando na verdade, a acessibilidade é parte fundamental do respeito que não só o poder público como a sociedade devem ter em relação a essas
Como qualquer outra pessoa, eles têm direito a frequentar escolas, órgãos públicos e bancos, divertir-se, portar carteira de motorista e etc. Portanto, cabe ao poder público facilitar sua inserção na sociedade, obedecendo leis em vigor praticamente desde o final dos anos 80, quando foi adotada uma Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiências.
Leis não faltam. O que falta é colocá-las em prática e fiscalizar o seu cumprimento. Com certeza, é o que precisa ser feito, com toda urgência.