Após uma pedra de três mil toneladas rolar sobre os moradores do Boa Vista, em Vila Velha, ficou uma interrogação no ar: qual seria a reação do prefeito Rodney Miranda (DEM) ante o infortúnio que ameaçava as vidas dos moradores do morro, surpreendidos pela tragédia logo no primeiro dia do ano?
A pergunta tinha esteio no passado recente do prefeito, que diante de outra catástrofe (as chuvas de 2013, que deixaram o município canela-verde debaixo d’água) deixara os moradores literalmente à deriva. No ápice da tragédia de 2013, quando mais a população precisava do comandante do barco, o prefeito abandonava a cidade para passar as férias com a família na Disney.
O fato marcou negativamente a gestão de Rodney, que deve ter tido pesadelos terríveis com o Mickey, Pato Donald e companhia.
Na tragédia do Boa Vista, Rodney quis mostrar à população que aprendeu com os erros. No primeiro dia do ano, o prefeito marcava presença no morro e anunciava medidas para evacuar cerca de mil pessoas vulneráveis a novos rolamentos de pedras.
Rodney chegou decidido a surfar a onda que a tragédia da pedra lhe propiciava. Aluno exemplar do governador Paulo Hartung, o prefeito tentou transformar a tragédia em dividendos para sua gestão. Afinal, o “mestre” havia dado essa aula há poucas semanas na tragédia do rio Doce, quando embarcou de carona no projeto fotógrafo Sebastião Salgado e se colocou como protagonista para salvar o moribundo rio da lama da Samarco/Vale.
Após quase um mês do acidente no Morro Boa Vista, porém, Rodney começou a dar sinais de que a representação foi pontual. O espetáculo acabou. É o chamado oportunismo de ocasião.
Reportagem publicada em Século Diário nesse domingo (24) mostra que a situação das cerca de mil pessoas que tiveram que abandonar suas casas é dramática, sobretudo das famílias que não tinham para onde ir e foram obrigadas a se abrigar nas dependências da escola Jairo de Mattos, localizada também no Boa Vista.
Os relatos registrados pela reportagem revelam o descaso da prefeitura de Vila Velha com as vítimas. Passado quase um mês do acidente, as pessoas se perguntam: quem terá acesso ao aluguel social ou quando poderão retornar às suas casas.
A angústia dos moradores, principalmente os que estão muito mal acomodados na escola, aumenta com o silêncio da prefeitura, que nada explica às famílias. Os moradores contam que a prefeitura chega a marcar datas para dar uma posição aos desabrigados e desalojados, mas depois adia a reunião sem de explicações e volta a anunciar outra data. A propósito, a nova data prometida pela prefeitura e esta terça (26).
Quem vive num luxuoso apartamento de 250 metros quadrados em Itaparica, avaliado em R$ 1,5 milhão, não deve estar preocupado com o drama das famílias que se amontoam numa escola pública mal-ajambrada, em que as salas de aula fazem as vezes de dormitórios coletivos que mais lembram um cortiço. Banheiro precário, alimentação regrada – um problema para trabalhadores humildes que saem de “casa” de madrugada, antes do desejum, e chegam muitas vezes após a última refeição, que registre-se, é de qualidade duvidosa.
Fosse a situação provisória, uma ou duas semanas, até vá lá, mais quase um mês já é demais. O que é pior. Nessa situação de indefinição, de descaso.
Parece que Rodney não aprendeu com as chuvas de 2013. Desta vez ele está presente, mas é como não estivesse.