Numa entrevista coletiva “improvisada” no saguão do edifício em que se hospeda em Porto Alegre, nesta sexta-feira dia 9, a presidenta Dilma Rousseff retomou as rédeas do seu governo, abalado recentemente pelas manifestações populares que varreram o país de norte a sul.
Falante e otimista, a presidenta garantiu que o dragão da inflação finalmente caiu e que a queda de 0,1% do nível do emprego não é nada nesse momento de maré baixa da economia mundial.
Aos repórteres que tentaram extrair-lhe uma declaração típica de quem está em campanha pela reeleição, Dilma disse estar com todo o gás para trabalhar “até o dia 31 de dezembro de 2014”.
Pois bem, retomando o fio da meada econômica – sem a emergência marqueteira que ronda os passos da presidenta –, devemos reconhecer que ainda estamos longe de um bom diagnóstico da situação, pois os dados são contraditórios.
Primeiro, onde a coisa vai mal? Como sempre, o nó aparece no front externo: dólar em alta, exportações em queda, importações crescendo, dívida governamental realimentando os juros básicos da economia.
No front interno, marcado pela estagnação do consumo e o aumento do endividamento das pessoas, a pressão inflacionária recolocou no horizonte o risco do desemprego, mas nesse campo o jogo se encaminha para o empate.
Mesmo com a supersafra, o aquecimento do mercado da construção civil e a desoneração fiscal de vários setores, a indústria brasileira viu cair o volume de encomendas. É uma situação desconexa. Até parece que e nada valeu o refresco da redução das tarifas de energia em fevereiro. Não funcionou ou a situação teria ficado muito pior sem essas medidas? Isso só vamos saber depois que baixarem totalmente as águas do tsunami de junho/julho.
O que sabemos é que, combinando descontentamento político com insegurança econômica, as manifestações populares comandadas pelas redes sociais levaram 30 pontos percentuais da credibilidade de Dilma Rousseff, que já vinha disparando os primeiros tiros eleitorais contra Aecio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva.
Até José Serra saiu da cova para dizer que não morreu, como havia ficado mais ou menos claro em 2010. Aí veio o Papa pra dar uma folga ao bumba-meu-boi petista. E agora a presidenta tenta recomeçar tudo em Porto Alegre, seu ponto de origem. A primavera ainda está longe.
Um dos diagnósticos da crise diz que o governo federal errou ao apostar no consumo fácil. Esses críticos vinculados à ortodoxia acadêmica acham que na economia não pode haver rédea frouxa. Mas qual seria a alternativa? Os manuais da economia não têm receita para situações anômalas.
Fala-se em aumentar os investimentos em infraestrutura, como se à obrigação de ter uma política econômica austera o governo devesse somar o encargo de orientar e financiar os empreendedores privados. Aos empresários bastaria entrar com a gestão e, depois, desfrutar dos lucros, numa repetição de outros ciclos de crescimento da economia brasileira – lembremos apenas os governos militares, o tempo de JK e a longa época de Vargas. E acabamos na velha lenga-lenga: se o governo comanda, é estatizante; se deixa rolar, é liberal demais.
O Programa de Aceleração do Crescimento está devagar não apenas porque faltam recursos, mas porque não há projetos executivos e demoram as licenças ambientais.
Recursos, projetos e licenças: o tripé de ouro do desenvolvimentismo roussefiano funciona precariamente, mas a culpa não é só do governo federal. Aí entramos numa discussão político-econômico: qual o modelo que queremos?
Uma economia comandada por grandes investimentos em usinas, aeroportos, pontes, estradas, ferrovias – mas sem controle ambiental?
Uma economia ecologicamente sustentável centrada nos pequenos negócios?
Os grandes empresários, os professores de economia e os políticos acham graça dessa hipótese, mesmo sabendo que o capitalismo predatório não tem futuro.
Mais 50, 100, 200 anos e o planeta estará na última lona. Quem vive preso no trânsito das grandes cidades sabe intuitivamente que a coisa tende a piorar.
Em outras palavras, o certo seria parar de enxugar gelo, mas ninguém tem coragem de levantar as mãos e dizer: “Minha gente, está na hora de pormos a mão na consciência e iniciar um programa de desaceleração do crescimento.”
Sendo ela a inventora do PAC, não será Dilma que proporá esse pacto pela sustentabilidade. Tendemos, pois, a continuar atados aos costumeiros nós da economia brasileira.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Em artigo recente, o jornalista (formado também em economia) Luis Nassif atribuiu ao ministro Guido Mantega a culpa pela atual “crise” econômica brasileira. É muita crise para uma só pessoa. Mantega cometeu lá seus pecados, mas não agiu sozinho, embora pareça bastante isolado na Fazenda. No fundo, no fundo, ele vem sendo fritado em pouca gordura, mas o PT não dispõe de nenhum economista realmente equipado para exercer o cargo mais pesado do Planalto, depois da Presidência. O veterano Paul Singer, por exemplo, é muito respeitado, mas não se sujeita a usar gravata.