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Parlamentarismo ou semipresidencialismo?

Aqui e acolá, já há muitos anos defendo a ideia de que o presidencialismo – apesar de estar entranhado na cultura política brasileira, herdeira da tradição patrimonialista – é um sistema exaurido no Brasil. A sua última “versão”, a do chamado presidencialismo de coalizão, também se exauriu. Nos últimos 60 anos, apenas três presidentes eleitos pelo povo – Juscelino, Fernando Henrique Cardoso e Lula – concluíram os seus mandatos. Isso, por si só, diz muito.
 
A Operação Lava Jato cada vez desnuda e escancara a falência do sistema político-partidário brasileiro e do sistema de governo do presidencialismo de coalizão, servindo como um forte alerta para a sociedade e para as elites políticas, sociais e empresariais de que o Brasil chegou ao fim de um ciclo político. Um forte alerta que precisa ser entendido e compreendido e gerar energias e mobilizações para que o país enfrente, enfim, o desafio da reforma política, modificando e modernizando o sistema político-partidário.
 
Dentro do da reforma política, cabe reavaliar a pertinência e aderência histórica da opção parlamentarista, ou de uma “variante” dela, a do semipresidencialismo. Vale repisar as vantagens do parlamentarismo, histórica e empiricamente comprovadas em vários países democráticos. Repisar as suas vantagens para fins de reabertura do debate e da reflexão, e para fins da possibilidade de adoção de uma alternativa próxima, que é a do semipresidencialismo, tendo em vista a cultura política brasileira de preferência pela opção da presença de uma figura central como a do presidente – que o nosso federalismo “rebate” regionalmente para as figuras centrais do governador e do prefeito.
 
O parlamentarismo, como se sabe, é um sistema de governo no qual há uma dependência mútua entre o Executivo e o Legislativo. Nele, a autoridade e a legitimidade do Executivo são derivadas da autoridade e legitimidade do Legislativo. Assim, se os políticos, no Congresso nacional, não derem conta do recado, o Parlamento é dissolvido e novas eleições são convocadas. Da mesma forma, se o Executivo perder condições de governança e governabilidade, ele recebe um voto de desconfiança e é substituído.
 
Por sua vez, o presidencialismo é um sistema de independência mútua. Isso significa que a autoridade do presidente deriva de um mandato popular com duração pré-fixada. E que o Legislativo é independente dele. Assim, se o presidente falhar, se perder as condições de governar, ele não pode ser substituído antes do tempo, a não ser em casos extremos que levem ao impeachment. Por sua, o Legislativo, se o presidente vai mal, tende a entrar em confronto com ele, pois ninguém vai apoiar um governo em crise. Ou seja, o presidencialismo aprofunda crises, ao invés de resolvê-las.
 
Mais especificamente, quanto à possibilidade de produzir sustentação política para garantir a eficácia do governo, no parlamentarismo o governo é levado a negociar sempre com o parlamento. Sua própria sobrevivência depende da manutenção de maioria parlamentar. Por sua vez, os parlamentares são levados à cooperação com o governo, pois se este fracassar eles perdem os seus cargos no ministério. No presidencialismo isto não acontece, já que os poderes Executivo e Legislativo são independentes. Em votações importantes, se houver “dividendo eleitoral”, os parlamentares podem votar contra o governo. Há uma tensão permanente.
 
Quanto à construção da legitimidade do governo e do parlamento, no parlamentarismo o governo não pode governar contra a vontade da Câmara dos Deputados, pois ele pode receber um voto de desconfiança. Assim, ele tem que governar em sintonia com a opinião pública e sem a edição de medidas excepcionais, como as medidas provisórias. Isto aumenta a responsabilidade dos governantes e as possibilidades de participação política da sociedade. Já no presidencialismo, a formação de maiorias estáveis não é comum. Há sempre a possibilidade de impasses e de edição de medidas que ameaçam a legitimidade do governo.
 
Por último, no que tange à estabilidade política, a existência do voto de desconfiança torna possível a substituição do governo quando há crises. E a possibilidade de dissolução da Câmara dos Deputados é uma válvula contra os impasses políticos. No presidencialismo, ou o presidente é substituído de forma traumática, via impeachment, ou através de golpes militares.
 
No plebiscito de 21 de abril de 1993, a opção parlamentarista saiu derrotada. Agora, depois de mais uma das inúmeras crises político-institucionais que o Brasil já vivenciou, é momento histórico pertinente para debater o sistema de governo, no bojo de uma reforma política mais ampla. Debater e criar condições políticas e sociais para a adoção da opção parlamentarista “pura”, ou a adoção do sistema semipresidencialista. Desde que o debate possa se dar no âmbito de uma Constituinte Exclusiva e, portanto, tenha respaldo da sociedade, e não seja um mero “arranjo” casuístico das elites políticas.
 
Como se sabe, o semipresidencialismo teve a sua primeira experiência com a República de Weimar alemã (1919-1933). E foi um termo cunhado por Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958). É praticado em vários países, sendo que a França, Portugal e Rússia são exemplos mais citados. Nele, o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante o Poder Legislativo. O Legislativo pode obrigar o gabinete a demitir-se, através do voto de desconfiança.
 
O presidente é o chefe de Estado e é eleito diretamente pela população, não sendo uma figura meramente decorativa. Ele escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas só o Parlamento pode removê-los. Em alguns casos, como os de Portugal e França, o presidente pode contornar a limitação de não ter o direito de demitir o primeiro-ministro e o gabinete. Pode exercer excepcionalmente o poder discricionário de dissolver a Câmara dos Deputados, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se.
 
Para além das especificidades e subtipos de semipresidencialismo, a serem objeto de reflexões, debates e escolhas adequadas ao caso brasileiro, buscando aderência à cultura política brasileira, o que é importante é ter em vista a opção pela escolha de um sistema de governo que contenha a possibilidade de garantir a prevalência dos requisitos da eficácia, da legitimidade e da estabilidade política.
 
Além disso, a opção semipresidencialista poderia, através da figura do presidente como chefe de Estado, garantir também a possibilidade de prevalência da instituição de um Poder Moderador, no caso o presidente, seguindo a cultura política brasileira de “produção”, explícita ou implícita, de um Poder Moderador para funcionar como “árbitro dos conflitos da elite” (na expressão de José Murilo de Carvalho).

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