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Perdidos e nunca achados

Os cientistas estão sempre em busca de grandes fatos que expliquem o comportamento  humano. Mas se enganam, é nas pequenas coisas do dia a dia que o complexo e controvertido comportamento humano melhor se expressa. É por isso que o serviço de utilidade pública da coluna está sempre alerta, tentando detectar nesse farto material o que possa nos ajudar a entender os habitantes desse planeta. Como a velha arte de andar nas ruas, por exemplo.
 
Mas como ninguém ao norte do Equador pratica tal arte,  criaram os shoppings, que não são exatamente o que chamamos de shopping. Lugar fechado e feericamente iluminado, feito para induzir ao consumo desenfreado, aqui chamam de Mall. Shopping, também com o propósito de incrementar as vendas, é uma praça em forma de L ou  U,  com amplo estacionamento cercado   de lojas e restaurantes geralmente liderados por um supermercado. Ali as  pessoas ainda caminham, mesmo que apenas  do carro para as lojas.
 
É nesses agitados locais que se observa um estranho hábito humano – deixar cair coisas e não se abaixar para pegá-las de volta. Não jogam  nada no chão, claro, que há lixeiras por toda parte e são educados, mas o que cair fica onde caiu. Para sempre. Talvez esteja aí a culpa pela epidemia de obesidade que assola o país –abaixar para pegar coisas no chão é uma boa atividade física.
 
No meu trajeto de sábado carro-supermercado-farmácia-padaria cubana-carro, vou catalogando tudo que vejo no chão,  mentalmente calculando as quantidades para definir prioridades. As campeãs são os elásticos de prender cabelo. De todas as cores e estilos, novos ou sem cor, cobertos de lama ou de poeira, não dou dois passos sem pisar em um. Depois deles vêm as fivelas de cabelo. Vejo aí uma renovação de modismos antigos, quando o que mais se achava no chão era grampo de cabelo.
 
Pois tempos houve em que o artigo mais vendido nas lojas de armarinho era grampo de cabelo. Portanto, concluo, o que mais se perde nessa vida na verdade é cabelo, mas não o vemos porque se torna invisível na poeira do tempo. Ficam como atestado de óbito de ex-fartas cabeleiras os grampos, prendedores, amarradores, elásticos, fivelas, arquinhos e bandanas com que tropeçamos a cada passo.
 
Embora em menor número, também vejo bonés, viseiras, gorros, chapéus, a maioria tendo prestado bons serviços à ala masculina. Às vezes também percebo uma peruca rolando entre um carro e outro. Peruca? hão de se espantar os incrédulos. Sim, conheço uma grande loja num grande shopping que vende apenas perucas. Como uma loja de perucas consegue subsistir nesses tempos de Hare Krishna e zen budismo, não sei.
 
Mas nem só do cabelo cuidam o homem e a mulher, e o chão de todo dia é vasto reservatório  de manias outras, como perder lápis. E pensei que seriam canetas. De todas as cores, tamanhos e estilos – alguns ainda novos, borrachinha intocada no topo, alguns massacrados pelos pneus dos carros, lápis sem ponta, ponta sem lápis. O que fazem eles com tanto lápis? Nada, pois se no chão caem, no chão ficam.
 
E mais, pinça de sobrancelha, lixa de unha, cartões usados (acho) de telefone e para baixar músicas, moeda de um centavo, pilhas usadas (deduzo),  talheres de plástico,  garrafinhas de água e refrigerante, cheias ou vazias,  tampinhas de garrafa, não as já citadas (ou talvez sim). O chão que nos acolhe e alimenta é prova cabal de nossa preguiça e ingratidão.
 

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