A disputa eleitoral que se encerra no próximo domingo (28), além de apontar o futuro do Brasil, traz revelações da ausência de qualquer conceito de ética, por menor que seja, a tratar das virtudes morais que levem à reflexão sobre costumes e práticas de indivíduos ou grupos sociais. Com a falta desse ingrediente essencial, mergulha cada vez mais no pantanoso terreno da banalização de imoralidades.
O escândalo do uso fraudulento da internet para beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República e a fala no município de Alegre, no Espírito Santo, de seu colega de partido, deputado federal Carlos Manato, colocando o dinheiro público a serviço de sua campanha eleitoral ao governo, são dois exemplos que representam mais lenha na fogueira do descrédito em que a política se contorce.
Ao se considerar alvo de ingratidão por não ter sido bem votado em uma comunidade beneficiada com dinheiro público levantado por ele, o deputado Manato expõe a prática corriqueira do “toma-lá-dá-cá”, observada de forma praticamente generalizada. Do mesmo modo que as nomeações de cargos comissionados, vistas sem qualquer esforço nestes dias após o primeiro turno eleitoral, em que aliados são acomodados de um lado ao outro, sem desfaçatez.
A banalização da política antiética já não surpreende a sociedade, voltada para questões à primeira vista favoráveis ao alcance de uma vida melhor, que a leva a se omitir ou a apoiar o infrator sem considerar não apenas a ética, mas qualquer conceito ideológico. Assim, contribuem para que as coisas prossigam da forma como se encontram.
Um cenário fortalecido neste domingo (21) com discursos formais e empolados das autoridades representativas da Justiça Eleitoral, nos quais são reafirmadas a seriedade e a lisura do processo, com apuração lenta e gradual no escândalo dos fake kews em benefício de Bolsonaro.
Os atos punitivos, tão rígidos quando se trata de pessoas fora dos círculos de poder, principalmente pretos, pobres, petistas, favelados, indígenas e outros de um numeroso contingente, se mostram mais suaves e espaçados, o suficiente para embolorar nos escaninhos da burocracia permissiva
Os homens têm menor escrúpulo em ofender um que se faz amar do que um que se faz temer, porque o amor está unido com o vínculo da obrigação o qual, porque os homens são maus, se parte na primeira ocasião em que surja o interesse.
A frase exprime o contexto de afirmativa do pensador florentino Nicolau Maquiavel ((1469-1527), um dos formuladores da ciência política, e se encaixa em situações comuns observadas na campanha eleitoral como as descritas acima.
Em outros escritos, ressaltando O Príncipe, Maquiavel deixa claro que o povo demonstra amor à liberdade, mas, de outro, nada faz para defendê-la quando as instituições estão em perigo, e até conspira contra quem o protege.
Eis um exemplo para demonstrar o acerto da frase: servidor público defender um candidato declaradamente favorável ao chamado Estado mínimo, que terá entre suas ações mais relevantes a redução ou suspensão de concursos e as demissões sob a justificativa de enxugamento da máquina pública.
Uma afirmativa real, nos tempos atuais, em que o retorno à ditadura sanguinolenta, a defesa do militarismo nas escolas públicas, o armamento indiscriminado da população e um programa de governo elaborado nos quartéis recebem a aprovação de grande parte da sociedade, que, enganada, acha que assim estará garantindo a liberdade e a democracia.
Para estes, as fake news e o “toma-la-dá-cá” dos maus políticos fazem parte da ordem natural das coisas. Estão voltados para outras questões, influenciados por fatores externos dos quais nem têm consciência e, com seus atos, prestam inestimável contribuição à instalação da desordem.