Terça, 23 Abril 2024

Por que Neucimar perdeu?

 

(Esta coluna está sendo publicada, repetindo a abordagem da semana passada, devido ao ataque de rackers ao site Século Diário, na madrugada do último sábado, dia 27, apagando o banco de dados onde estava a coluna original, publicada uma semana antes das eleições. Nesta versão, a coluna analisa o fato consumado, com atualização)
 
 
Mexe, remexe, procuro, mas não vejo. O prefeito Neucimar Fraga (PR) está desse jeito na busca de explicações para sua consolidada derrota eleitoral para o neófito Rodney Miranda (DEM) em Vila Velha.
 
Mas, por que se viu frustrado o projeto de poder do ex-sacoleiro, que um dia, como tantos irmãos nossos nordestinos, saiu da Bahia com a família em direção ao Rio e ficou por aqui mesmo para melhorar de vida, empurrado pela extrema carência material e de perspectivas num Estado que era dominado pelo coronelismo político de Antonio Carlos Magalhães, até que a morte separou o povo dele?
 
Por que, de repente, alguém sem nenhuma tradição política, com um histórico controverso que remete ao passado autoritário recente do País, em que ninguém estava livre dos olhos e ouvidos do Estado repressor, chega, se estabelece e se cria, politicamente, no município que é o berço da colonização do Espírito Santo e que já gestou interessantes personagens políticos de raiz?
 
Até hoje as pessoas mais lúcidas tentam encontrar uma explicação para a extraordinária votação que teve para deputado estadual, em 2010, em Vila Velha, o hoje candidato a prefeito Rodney Miranda, que tem dificuldades para sorrir, fala sem emoção e tem uma imagem pública antítese do político tradicional, populista, falastrão e superficial que nos acostumamos a ver estourar as urnas de tantos votos no nosso Brasil brasileiro.
 
O sistema eleitoral eletrônico deixa margem a dúvidas? Sim, deixa, não sei se legítimas, mas elas aumentam quando vêm à tona fatos como o de Nova Venécia, onde uma mulher, que morreu há 11 anos sem título de eleitor “votou” normalmente nas eleições municipais do último dia 7 de outubro. Depois, o TRE encontrou na falha de mesários a explicação para a troca de voto – uma pessoa de prenome semelhante votou pela falecida, erradamente.
 
Não dá para confiar, totalmente, em segurança digital, por mais que a Justiça Eleitoral defenda, e com razão, o peixe que ela comprou e que, na verdade, nos dá um certo orgulho. Do lado de cá, temos motivos para não confiar não na Justiça Eleitoral, mas no sistema eletrônico “indevassável”.  As informações que circularam em Vila Velha no segundo turno aumentam as incertezas.  
 
Mas, se havia dúvidas sobre a extraordinária votação de Rodney, que derrotou Max Filho há dois anos em seu próprio reduto, inusitadamente, hoje parece que essa nuvem se dissipa com explicações mais racionais.
 
Tenho um amigo cujo filho é presidente de Sessão Eleitoral. Quando acaba a votação, eles fecham a urna e sai um relatório impresso com a votação. O menino preside uma sessão no Centro de Vila Velha, que tem um eleitorado de classe média, independente e conservador. Chegou e disse: “Pai, o Rodney vai para o segundo turno, se não ganhar no primeiro”. Quando acabou o segundo turno, falou: “O Rodney vai levar. Só na minha sessão, foram 100 votos de diferença”.
 
Arrepios! Que fenômeno era esse? Talvez o mesmo que varreu Serra, Vitória e Cariacica, embora o perfil do nosso Rambo seja diferente de Audifax, Juninho e Luciano Rezende. Fato é que já não se pode duvidar que a classe média da orla e proximidades  escolheu o xerife, talvez num comportamento social patológico idêntico ao do apoio aos militares em 1964.
 
O sorriso de Quico de Neucimar já não convence ninguém. Convenhamos, ele nem foi tão mal assim, do ponto de vista de realizações, porque contou com um governador que não persegue, que é Renato Casagrande. Mas é dissimulado e isso irrita e afasta o eleitor mais consciente. Neucimar fez um governo auto-suficiente, do mesmo jeito que conduziu sua campanha passada e a atual. Não é chegado a práticas políticas saudáveis. Vila Velha ganhou obras, sim, mas as principais são do Governo do Estado e ele tentou vender a ideia de que eram dele.
 
Neucimar perdeu porque não falou com a população. Achou que a periferia seria suficiente para elegê-lo, com sua história de migrante baiano que subiu na vida, mas isso não está sendo suficiente. Pecou nos detalhes, na rua abandonada, na distância do eleitor consciente, na falta de diálogo com a população, haja vista a forma como implantou o estacionamento rotativo no município, necessário, mas sem participação do contribuinte.
 
Dizem que “o diabo mora nos detalhes”. Prefiro Deus, mas para Neucimar está sendo o inferno não ter percebido os detalhes. E deixou brecha para a tomada do poder em Vila Velha, porque as coisas mais simples não foram solucionadas. Apesar dos discursos dele, ainda refletem as consequências da chuvarada de janeiro passado. E tantas inundações passadas. E este é apenas um de seus problemas sobre os quais tanto discursou e pouco fez, mesmo que diga o contrário. Demorou a agir sobre situações, relativamente, simples.
 
Eu gostaria de ter respostas mais objetivas, mas há coisas sem explicações claras. Elas vieram nas urnas neste domingo. Como já comentei na coluna original na semana passada, detonada pelos hackers, que invadiram o Século, em 2012, diferentemente de 2010, creio que as coisas estão muito mais evidentes. Se para o bem ou para o mal, somente o futuro dirá. Mas o Capitão Nascimento vem aí.
 
Agora, o tema é, totalmente, contextualizado no resultado da votação. Com a eleição de Rodney Miranda (DEM), polêmico ex-secretário de Estado de Segurança, o ex-governador Paulo Hartung (PMDB), que passou oito anos no poder vendendo imagem de bom moço, vai transformar o município de Vila Velha em seu “bunker”. A eleição foi conquistada com muito dinheiro na campanha e uma agressiva estratégia de marketing que visava à desconstrução da candidatura do prefeito Neucimar Fraga e, ao mesmo tempo, associar o próprio PH ao “nosso xerife”.
 
Com a imagem arranhada no episódio da Operação Leo Oswald, que levou quase 30 pessoas para a prisão, em cujo processo a decisão do desembargador Pedro Valls Feu Rosa relaciona o nome do ex-governador a operações de compra e venda superfaturada de terrenos em Presidente Kennedy, no contexto da concessão de créditos fiscais para a Ferrous construir um porto e uma indústria metalúrgica no Sul do Estado, Paulo Hartung tinha em Rodney sua última cartada para tentar se proteger.
 
Com o inexperiente Rodney no comando da Prefeitura, e Paulo Hartung por trás, Vila Velha vive dias incertos. Obviamente, o governador Renato Casagrande, que apoiava Neucimar, não imporá a Vila Velha o isolamento a que Hartung submeteu o município enquanto era dirigido por seu antigo adversário Max Filho.
 
Até porque Casagrande não é disso e, muito mais, porque nunca se sabe se Renato está mesmo medindo forças ou compondo o tempo inteiro com Paulo Hartung por conta de sua indicação como candidato ao Governo em 2010, num golpe virulento contra Ricardo Ferraço, obedecendo a comandos de Brasília.
 
O que Vila Velha pode esperar, com o estilo Paulo Hartung de governar, via Rodney Miranda, é uma “invasão” da república hartunguista.  O que isso representa? Eu gostaria de saber responder. Mas esperem para ver.
 
Vila Velha é tudo para Paulo Hartung, porque Luiz Paulo (PSDB), eterno hartunguista de carteirinha, perdeu para o hartunguista dissidente Luciano Rezende (PPS), o novo prefeito de Cariacica, Juninho (PPS), somente deve sua eleição ao povo de sua cidade, e Audifax, na Serra, está muito mais para Casagrande do que para Hartung.
 
A propósito, e diferentemente do que os marketeiros políticos tentaram fazer o povo crer, o senador Magno Malta não perdeu em Vila Velha e nem ganhou em Vitória. A  votação dele está descolada de composições políticas. Ele é a estrela de sua companhia, até que não seja mais.
 


José Caldas da Costa é jornalista, licenciado em Geografia, escreve neste espaço nos finais de semana. Contatos:

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