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Questão de semântica

Antes mesmo de assumir o governo, Paulo Hartung foi preparando a população para pior. Avisou que os capixabas iriam comer muito sal em 2015. Disse que o culpado pela dieta salobra era o ex-governador Renato Casagrande, que teria cometido barbeiragens nas finanças, desorganizando tudo que ele fizera até 2010.
 
O discurso do caos, além de desconstruir o governo do seu antecessor – que passou a ser o seu maior rival político —, serviu também para pavimentar a adoção de medidas amargas. Dentro do governo, esse discurso foi convertido em um corte linear de 20% em todas as secretarias, mesmo nas áreas consideradas prioritárias: saúde, segurança e educação.
 
Mexer nesse tripé invariavelmente significa adotar medidas impopulares. Desde que a guilhotina passou a funcionar, a Secretaria de Segurança é a que vem sendo mais criticada pela população. Pudera, é um paradoxo falar em cortar despesas da Segurança Pública quando se está há mais de uma década na vice-liderança do ranking de homicídios. 
 
O secretário André Garcia, porém, aceitou a missão de promover os cortes. Para contornar a insatisfação da população, o secretário passou a recorrer de um jogo semântico. 
 
Inicialmente, anunciou a redução nas cotas de combustíveis das viaturas, o que refletiria diretamente no policiamento ostensivo. Com menos combustível, consequentemente, as viaturas rodariam menos. Resultado, os bandidos se sentiriam mais à vontade para agir. 
 
Diante da grita da sociedade, Garcia explicou que as medidas eram para racionalizar gastos. Garantiu que a redução dos combustíveis não afetaria em nada o policiamento. Destacou os aspectos positivos do policiamento feito a pé, a cavalo e de bicicleta. Só faltou ele dizer que além de economizar combustível, a medida contribuiria para reduzir as emissões de CO2, ajudando o Planeta. 
 
Mas o pacote de austeridade na Segurança não se restringe a cortar combustíveis. Ele é bem mais amplo e compromete outras atividades das polícias Civil e Militar. 
 
Há cerca de duas semanas, André Garcia fez cortes nos contratos das empresas terceirizadas responsáveis pelos serviços de call center do Ciodes (190) e do Disque Denúncia (181). Os cortes representaram, automaticamente, a redução do número de posições de atendimento no serviço, o que reflete diretamente no tempo de resposta às ligações da população que, aliás, sempre se queixou do tempo de espera do 190.
 
Mais uma vez, o secretário afirmou que não se tratava de cortes, mas de medidas para recionalizar os custos com o call center. Repetiu que a redução das posições não impactaria na qualidade do atendimento. Alguém já precisou ligar para o 190? Está respondido.
 
Ainda dentro do pacote de corte de gastos, a Sesp anunciou, na semana passada, o cancelamento do serviço de internet em mais de 60 delegacias. Nesta semana, foram os celulares funcionais que foram “confiscados” dos policiais militares. Os smartphones eram um canal de comunicação importante entre o patrulhamento de área e comunidade. Em muitos bairros, moradores e comerciantes andavam com o número do patrulhamento de área à mão. Em situações suspeitas ou mesmo de emergência, a população acionava o policial pelo celular. A medida era muito mais eficaz que recorrer ao 190. 
 
O secretário admite que está reduzindo o número de smartphones, mas novamente insiste que não se trata de cortes, mas de racionalização de gastos. 
 
Chama atenção a contradição do discurso do secretário, que estava à frente da Segurança no governo anterior. Veja o que ele declarou à CBN-Vitória, em 2013, na ocasião do anúncio da aquisição de 800 smartphoes para a polícia. 
 
Garcia disse que os telefones iriam complementar o serviço das viaturas, que o uso do celular era uma importante ferramenta de combate à criminalidade, um diferencial da polícia. “O mesmo banco de dados que a viatura consulta, agora será acessado pelo policial que está de bicicleta ou a pé. Ao mesmo tempo, nós vamos supervisionar o trabalho porque o policial a pé passa a ser mapeado pelo Ciodes e pelos supervisores”. 
 
Na mesma ocasião, destacou a importância dos smartphones ao jornal digital Folha Vitória: “Nós temos a materialização de um trabalho de longo curso, pensado exatamente para facilitar e dar maior efetividade ao policiamento, especialmente o ostensivo, e às ações operacionais das polícias civil e militar. Essa ferramenta vem viabilizar uma consulta mais rápida e ágil a todo o nosso sistema de informação e inteligência”.
 
Curioso é que em menos de três meses no novo governo, André Garcia adotou uma posição que confronta o discurso que vinha adotando até 2014. Trocando em miúdos, ele está pondo em xeque sua própria gestão. 
 
Hoje ele garante que a polícia é capaz de garantir segurança à população com a mesma qualidade, porém gastando bem menos. Por dedução lógica, o secretário, no governo Casagrande, fazia menos com mais. Assim que passou a fazer parte da equipe de Hartung passou a ser competente, e a fazer mais com menos. Por que Garcia não adotou essas medidas antes? O secretário sabia que era possível reduzir despesas, mas preferiu gastar mais? 
 
Se Garcia podia fazer mais com menos, transgrediu o princípio da economicidade (art. 70 da CF/88), que prevê a promoção de resultados esperados com o menor custo possível, conjugando qualidade, celeridade e menor custo na prestação do serviço ou no trato com os bens públicos.

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