O Mapa da Violência 2013 – “Mortes Matadas por Armas de Fogo” – apresenta um dado perturbador. De acordo com o estudo, as drogas não são a principal causa das mortes por armas de fogo.
Essa conclusão apresentada no Mapa da Violência foi tema de matéria publicada esta semana em Século Diário. O texto assinado pela repórter Lívia Francez ganhou elogios do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, que coordena o estudo.
Ao contrário do que revela a pesquisa, porém, o discurso das autoridades ligadas à área da segurança pública no Espírito Santo tem atribuído os altos índices de homicídios às drogas e organizações criminosas envolvidas com o narcotráfico.
Durante o governo Paulo Hartung (2003 – 2010), o então secretário de Segurança Rodney Miranda (hoje prefeito de Vila Velha), ao perceber que sua gestão à frente da pasta fora desastrosa, passou a jogar na conta das drogas todo o insucesso de seu trabalho, que teve resultados pífios.
Esse mesmo discurso vem sendo hoje repetido pelo secretário André Garcia, que também identifica a droga como a grande “culpada” pelos altos índices de criminalidade, que conferem ao Espírito Santo a segunda posição absoluta no ranking nacional de homicídios.
Na versão das autoridades, a ligação droga e violência é praticamente automática. Boa parte da sociedade está convencida de que essa é a explicação mais plausível para o problema. No ano passado, o governo do Estado chegou a lançar uma campanha publicitária para consolidar essa tese. Os outdoors espalhados pelas ruas alertavam que 70% dos homicídios estavam relacionadas às drogas. Mensagem implícita da campanha: “Se a culpa é das drogas, o governo está inocentado. Vamos todos nos unir para enfrentar o ‘mal do ‘século’”.
O professor Julio Jacobo Waiselfisz, um dos mais respeitados especialistas sobre o tema, mostra que a droga é uma das causas, mas não a principal. Mesmo após 10 anos da implantação da Campanha do Desarmamento, o sociólogo aponta que mais de 15,2 milhões de brasileiros têm acesso a armas de fogo. Desse total, 6,8 milhões de armas são registradas e 8,5 milhões são clandestinas. Waiselfisz alerta que muitos conflitos acabam sendo resolvidos à bala, inclusive os domésticos.
Outro fator, segundo o sociólogo, que explica os altos índices de homicídios por armas de fogo é a chamada “cultura da violência”. Quem conhece bem o Espírito Santo sabe que o Estado tem um histórico repleto de matadores famosos, que viraram figuras lendárias, quase folclóricas.
Ainda hoje, esse passado de pistolagem motiva muita gente a resolver conflitos no “bico do revólver”.
Para provar que a droga não é a principal vilã dos homicídios, um estudo encomendado pelo Ministério da Justiça analisou os boletins de ocorrência em três cidades brasileiras: Belém (PA), Maceió (AL) e Guarulhos (SP), no ano de 2010. Nos três municípios, uma parte substancial das mortes por arma de fogo está relacionada a vinganças pessoais, violência doméstica e motivos banais. Os casos de mortes por arma de fogo no resto do País, segundo o estudo, seguem essa mesma tendência.
Na avaliação do Mapa 2013, Waiselfisz aponta um terceiro fator como muito importante para o crescimento das mortes por armas de fogo: a impunidade.
O estudo revela outra realidade preocupante: o CSI (Investigação Criminal) – nome do seriado norte-americano de enorme sucesso – brasileiro é só na TV.
A realidade mostra que os índices de elucidação de crimes de homicídios são baixíssimos no Brasil. De acordo com o Relatório Nacional da Execução da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), a estimativa é que a elucidação no Braasil varie entre 5 e 8%. O mesmo percentual é de 65% nos Estados Unidos, 90% no Reino Unido e de 80% na França.
Se a média brasileira varia entre 5 e 8%, no Espírito Santo deve ser bem pior. Podemos afirmar seguramente que o Estado, no levantamento do Enasp, era o que detinha o maior número de inquéritos de homicídios inconclusos: mais de 12 mil.
O “CSI capixaba”, em estado de greve devido às péssimas condições de trabalho, é um retrato do descaso do governo com as políticas de segurança. Apenas 2% dos crimes cometidos no Estado são solucionados. Isso ocorre porque faltam provas, ou melhor, faltam condições para que os peritos papiloscópicos apurem as evidências nas cenas dos crimes que possam se tornar provas para a Justiça. Sem materialidade, muitas vezes, o juiz não tem como condenar o suposto autor do crime.
Somente no ano passado, dos 1.944 inquéritos devolvidos pelo Ministério Público Estadual (MPE) à Polícia Civil, apenas 41 voltaram concluídos, ou seja, apenas 2% dos casos foram apurados.
Para quem ainda não acredita que a droga não é a principal vilã dos homicídios, basta olhar para o vizinho Rio de Janeiro. Em 2000, o Rio, segundo o Mapa da Violência, era o segundo estado mais violento do País; o Espírito Santo era o terceiro. Dez anos depois, o Rio passou a ser o 17º e o Espírito Santo o segundo.
O tráfico de drogas acabou no Rio? Claro que não. O narcotráfico, como qualquer negócio, está onde há mercado em potencial. E o Rio é um dos mais rentáveis.
O exemplo do Rio, que poderia ser estendido a São Paulo, maior mercado de drogas do País – que também diminuiu os índices de homicídios a quase um dígito -, comprova que a droga é uma das causas da violência, mas não a principal. Já passou da hora do poder público parar de se esconder atrás das drogas e criar coragem para enfrentar essa perturbadora realidade.