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Redução da maioridade penal

Durante a campanha ao governo, o então candidato Paulo Hartung (PMDB), como é do seu perfil, evitou entrar em temas polêmicos. Quando foi apertado em debates e entrevistas sobre sua posição em relação à redução da maioridade penal para adolescentes envolvidos em delitos, Hartung, comedidamente, admitiu ser favorável à redução nos casos de crimes mais graves. Sublinhando que só nesses casos, tentando passar a imagem de gestor humanizado.
 
O candidato de Hartung à Presidência da República, Aécio Neves (PSDB), também defende a redução da maioridade penal. Aliás, ambos já são defensores convictos da medida não é de hoje. Em 2007, os dois governadores puxaram uma frente, junto com São Paulo e Rio de Janeiro, para pedir punição mais severa para os adolescentes autores de atos infracionais. Essa frente esteve em Brasília para pressionar o Congresso a alterar a legislação. 
 
Na campanha, porém, Hartung tentou dar um contorno social ao seu discurso. Ele desviou o foco da redução da maioridade penal, que ele sempre defendeu, e tentou mostrar preocupação em desenvolver ações para tirar o jovem da criminalidade. Tirou do seu saco de promessas o projeto que batizou de “Ocupação Social”. Na verdade, iniciativa semelhante ao Estado Presente do atual governador Renato Casagrande (PSB), mas que deve vir com embalagem renovada.
 
Depois de ser acusado de negligenciar as políticas sociais nos seus dois mandatos (2003 a 2010), Hartung volta ao Palácio Anchieta disposto a empregar uma boa demão de verniz social no seu novo governo, na esperança de apagar do seu currículo o escândalo das “masmorras” que chegou à ONU e repercutiu negativamente para sua imagem.
 
Depois de visitar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro e trocar dois dedos de prosa com o secretário de Segurança fluminense José Mariano Beltrame, Hartung já se sente credenciado para anunciar seu novo programa (Ocupação Social) como uma revolução nas políticas públicas de enfrentamento à criminalidade no Estado, sobretudo nas áreas mais conflituosas da Grande Vitória. 
 
Apesar da vistosa campanha de marketing que deve promover o novo produto, a população não deve se iludir. Durante os oitos anos em que esteve à frente do Estado, Hartung não só abandonou as políticas públicas de atenção social à juventude, mas tratou os adolescentes e adultos encarcerados pior do que animais. 
 
Exagero? Quem acompanhou a política de encarceramento do governo Paulo Hartung, as famosas “masmorras”, sabe qual a verdadeira visão do governador eleito pessoas envolvidos em delitos. Se a redução da maioridade penal fosse o ponto mais enviesado do pensamento de Hartung sobre os jovens envolvidos na criminalidade, poderíamos até comemorar sua posição como avanço. Mas o histórico da gestão de Hartung é aterrorizador. Ele é corresponsável pelas violações impostas aos adolescentes que cumpriam internação no seu governo. Estamos falando de prática de tortura, maus tratos e das formas mais cruéis de violência impostas a homens, mulheres e adolescentes. 
 
Para refrescar a memória dos mais esquecidos, transcrevemos a seguir um trecho do relatório, de maio de 2009, do então presidente do Conselho Nacional de Política Prisional e Penitenciária, Sérgio Salomão Shecaira, que resultou no pedido de intervenção federal no Estado. 
 
O relatório retrata a visão de Hartung sobre as políticas públicas de “ressocialização” de jovens e adultos no Estado. Fica a critério do leitor avaliar se Hartung está sendo verdadeiro quando afirma que está empenhado em promover políticas públicas humanizadas, que se propõem a ressocializar pessoas envolvidas com a criminalidade. 
 
“(…) Então nós fomos, em comitiva, conhecer um presídio dentro de um contêiner. Essa foi uma ideia do governo Paulo Hartung de pegar contêineres com pequenas janelinhas e colocar vários presos lá dentro. Então, tinham em um contêiner, que é um local para colocar mercadorias, de 50 a 60 presos lá dentro. Era uma coisa absolutamente desumana. Quando os presos tinham que fazer suas necessidades fisiológicas, justamente por não terem banheiros, eles faziam nas próprias “quentinhas” vindas com comida, e voltavam com fezes, ou em garrafas “pet”, ou até mesmo através das janelas, quando urinavam para fora do contêiner. Era algo completamente chocante, com um monte de lama, fezes, ratos ao lado dos contêineres, uma sujeira. E eram contêineres empilhados, como se fossem o térreo e o primeiro andar. Era um cheiro completamente insuportável.
 
Havia pessoas com tuberculose, escabiose (a conhecida ‘sarna’), que era uma coisa que eu pensei que não mais pudesse ver, pois quando vemos em um cachorro já ficamos com pena do animal, e imagina um ser humano com o corpo totalmente tomado! Tudo isso foi fotografado. Eu poderia me alongar falando de violências menores do sistema, mas creio que o sistema como um todo é uma violência.
 
Eu cheguei a ver uma modalidade de contêiner ainda mais perversa, a que chamavam ironicamente de “forno micro-ondas”, uma vez que era um contêiner sem nenhuma janela, de tal forma que não havia ventilação, e o ar não circulava. Tudo isto sob a administração do governador Paulo Hartung e do secretário de Estado da Justiça, Ângelo Roncalli de Ramos Barros.
 
Depois, nós ficamos sabendo que também havia adolescentes presos em contêineres. Era a ponta de um iceberg que nós não imaginávamos ser tão grande. Ficamos, inclusive, sabendo da existência de camburões que abrigavam presos por tempo indeterminado. Apenas estacionavam o camburão no pátio, e deixavam os presos lá dentro. Eram coisas em condições completamente abjetas e subumanas (…)”.

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