Os bastidores das negociações que culminaram com os contratos firmados entre a Sereng e a Vale no Estado, ao todo R$ 19,4 milhões, são provas claras de como funcionou o sistema de concessão de licenciamentos ambientais às transnacionais do Estado nos oito anos do governo Paulo Hartung (PMDB). Essa rede de poder, formada pela Seama/Iema, Cepemar, ES em Ação e as poluidoras do Estado, tornaram a gestão passada a pior na área ambiental dos últimos tempos. Acha que acabou? Longe disso.
As relações do empresariado com o governo do Estado e classe política em geral sempre foram marcadas por interesses mútuos, no estilo “uma mão lava a outra”. Não só as poluidoras enriqueceram e continuam a enriquecer às custas de muitos favorecimentos e poluição, mas também as demais pernas do arranjo e os próprios políticos, que há muito tempo têm com as transnacionais uma velha parceria em campanhas eleitorais.
Esse mercado lucrativo das licenças ambientais só aproximou ainda mais os integrantes desse sistema. Ganhou todo mundo: as empresas reunidas na ES em Ação, que
precisavam aprovar seus empreendimentos sem serem incomodadas, para assim ganharem cada vez mais dinheiro; a Cepemar, que recebeu muito bem para realizar os estudos ambientais dos principais projetos poluidores do Estado, e o próprio governo, que no final das contas, só precisava retribuir o “favor” e garantir a verba da próxima disputa.
No pano de fundo da história, o constante reforço do falso discurso de geração de empregos e desenvolvimento econômico” – para quem?
A área era tão importante para Hartung, que ele elegeu figura de poder de sua gestão a secretária de Estado de Meio Ambiente, Maria da Glória Brito Abaurre, quem o ex-
governador foi “buscar” dentro da própria Cepemar – a ex-secretária atuou durante 10 anos na diretoria da empresa de consultoria ambiental. Ficou mais fácil ainda: tratando-se dos grandes projetos, bastava ter o carimbo da Cepemar nos EIA/Rimas, que as licenças eram liberadas em tempo recorde.
Isso independentemente do passivo ambiental; se as empresa descumpriam condicionantes; ou das inúmeras denúncias de ambientalistas e movimentos sociais. As negociações e acordos eram definidos a portas fechadas. Audiências públicas e aprovação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) eram ritos utilizados apenas para validar legalmente o processo.
Depois de Maria da Glória, assumiu a pasta Paulo Ruy Carnelli, já na gestão atual, personagem muito conhecido nessa área, mantendo o sistema mais vivo do que nunca – ele saiu para fazer o mesmo, só que Odebrecht. Outros vieram em seguida e rezaram a mesma cartilha. E mesmo que quisessem, não poderiam fazer diferente. Esse “laço” não se rompe.
Foi desta maneira que passaram a ditar as regras no Estado a Vale, ArcelorMittal, Samarco Mineração e Aracruz Celulose (Fibria) e, os mais recentes integrantes dessa rede de poder, o Estaleiro Jurong, Ferrous e empresas portuárias e de petróleo. Isso só para falar das principais.
Transitando com muita destreza e influência nesse setor sempre esteve o ex-governador biônico do Estado Arthur Gerhardt Santos. Qual empresa desta não faria questão de contar com o apoio dele para atingir seus objetivos? Para elas, qualquer preço valeria. E o “lucro” dessa relação permanece consolidado: não há obstáculos para as transnacionais.
O tempo passou e a Cepemar, instrumento de poder do governo Hartung, teve parte de suas ações vendidas para a Suzano, então outra empresa de consultoria, curiosamente, herdou toda sua “carta de clientes”. Hoje, quem manda nos EIA/Rimas dos grandes projetos é a CTA Serviços de Meio Ambiente, que começou bem acanhadinha e já domina, surpreendentemente, o mercado. Já a ES em Ação ganhou até um “braço”, a Associação de Empresários de Vila Velha (Asevila), que está dando as cartas no município.
Pra você ver. Alguns personagens são antigos, outro novos. Mas o enredo, não tem jeito, continua o mesmo. Sem tirar nem pôr.
Manaira Medeiros é mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local e especialista em Gestão e Educação Ambiental
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