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Relativismo, paradoxo e política

Em 2016, politizaram – no sentido de caráter político – a vitória de Rafaela Silva, judoca brasileira, que ganhou as Olimpíadas. “É uma militar e não precisou de cotas”, dizia a direita. “É negra, lésbica e entrou nas Forças Armadas por meio de um programa social durante o governo da Dilma”, comemorava a esquerda. 

A guerra do século XXI é ideológica. Vive-se um cenário de disputa dicotômica e sem regras. As bolhas sociais e políticas culminaram num desastroso cenário de relativismo bizarro. Os brasileiros passaram a ter um olhar equivocadamente político para os fatos. Já não é de hoje que esse contexto extremamente polarizado aflora posicionamentos mais extremistas e, agora, a sociedade permanece atolada em paradoxos. 

Compreende-se paradoxo como contradição. É ter uma ideia e agir de forma contrária ao que se espera. Paradoxo é querer liberdade de expressão e expulsar palestrante de direita da universidade. É defender a propriedade privada, exceto quando se tratar de demarcações indígenas. É ser contra a igreja cristã por ser opressora, mas relativizar a cultura dos países de maioria islâmica. É almejar por um Estado reduzido, mas que possa interferir na orientação sexual alheia. É dizer que se uma criança presencia um beijo gay, estimula a se tornar homossexual, mas fazer gesto de armas com as mãos em uma criança, não estimula a violência. E vice-versa.

Esses paradoxos certificam o tanto que as pessoas se tornaram tão reféns de suas ideologias, que passaram a ignorar quaisquer notícias, lógica ou argumento que desqualifiquem seus posicionamentos e valores sociais. Expõem, também, o relativismo que se manifesta como fuga e defesa do próprio pensamento e, em momentos oportunos, a reprovação da ideologia alheia. Por isso, as bolhas ideológicas nunca foram tão expressivamente inconvenientes. 

Nesse cenário de disputa de valores tão dicotômicos, tornou-se comum a distorção de fatos a fim de favorecer uma ideia, haja vista que o paradoxo também está em não admitir e enxergar o óbvio. Essa atual corrida ideológica incita a produção de notícias falsas – atitude irresponsável e desonesta. Vive-se hoje a maior crise de falta de credibilidade das informações, justamente no auge da era do acesso ao conhecimento. Mais um paradoxo. 

Assim, as ideologias cegam e as fakes news surgem como respostas à tentativa de endossar e justificar suas próprias concepções sociais e políticas: se não há provas, o povo inventa. 

O exemplo mais fatídico está nos acontecimentos mais recentes. Marielle foi baleada e a direita fez um desserviço criando um contexto de que ela foi casada com traficante e estava envolvida com o Comando Vermelho – uma tentativa desprezível de justificar sua morte. Assim como a esquerda não perdeu tempo em procurar, sem sucesso, evidências para provar a farsa do ataque sofrido por Bolsonaro. Vale tudo na corrida político-ideológica: fake news com montagens de fotos de Marielle, vídeo antigo de Bolsonaro entrando no hospital, montagem do agressor de Adélio Bispo em ato com Lula.

Quando as divergências políticas ultrapassam o limite de uma disputa meramente ideológica, o inimigo passa a ser um ser de carne e osso e não apenas um conjunto de concepções sociais e políticas. Esse é o ponto que excede a razão. O ponto-cego. 

Existe um anseio tão intenso de ter sua perspectiva univocamente aprovada, que ocorre a seletividade ao olhar o que é real. Engana-se quem pensa que relativizar o óbvio é ato exclusivo de uma única visão política. Na lógica do relativismo político-social, matar em nome do meu ideal é luta e necessidade, mas o do outro é massacre e carnificina.

Todo esse contexto acarreta em um cenário de desinformação demasiada, tendo em vista que tumultua todo o processo de disseminação de informações. Em toda essa história, o relativismo está justamente em ter um olhar restrito aos fatos e negar aquilo que não lhe convém. Por conseguinte, a população brasileira só afunda em suas concepções binaristas e cria um clima de instabilidade, injustiça e relativismo moral e social.

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