As ruas das capitais brasileiras estão cheias de vendedores ambulantes, entre eles imigrantes africanos e haitianos recebidos por acordo diplomático ou compaixão cristã.
Expondo nas calçadas, eles vendem frutas, mel, flores, legumes, especiarias, guarda-chuvas, luvas, meias, headphones, relógios e 1001 outras quinquilharias, poucas nativas, muitas importadas sem qualquer documentação que possa apaziguar a fiscalização tributária.
Quando os agentes da lei vão para cima dos ambulantes, a população fica dividida, mas no final das contas opta por vaiar a polícia militar convocada para apartar a briga.
Aqui já poderíamos concluir lembrando o velho ditado: “Em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”, mas a verdade é que o buraco da tulha é mais embaixo.
No Brasil não falta pão (nem no mundo, garante a FAO). O alimento é que está mal distribuído. Sobra em algumas casas e falta em outras.
E assim chegamos ao outro ponto da questão ou ao verdadeiro “fulcro fático”, como diria o ministro Herman Benjamin, voto vencido no julgamento da chapa Dilma-Temer, absolvida pelo TSE: falta humanidade, escasseia a misericórdia neste rico país.
Vejam o exemplo de Joaquim Pedro Salgado Filho, ministro do Trabalho de 1932 a 1934, período em que foram ampliados diversos regulamentos trabalhistas e previdenciários criados anteriormente pelo ministro Lindolfo Collor.
Há 67 anos, caminhava ele no centro do Rio quando viu um vendedor ambulante sendo esbulhado por um fiscal municipal, que cumpria seu dever em prol da regularidade do comércio numa cidade que até algumas décadas antes convivia com os “negros de ganho”, escravos que vendiam coisas a mando de seus donos.
O pobre pediu clemência, pois estava lutando para levar algum dinheiro para casa, onde o esperavam a mulher e os filhos. Não adiantou chorar, perdeu sua mercadoria e saiu de cena humilhado pelo guarda.
O ministro nada fez, no varejo, para socorrer o ambulante, mas de volta ao seu gabinete iniciou as providências para agir no atacado. Assim nasceu no Brasil a regulamentação do comércio de ambulantes, medida anexa a tantas outras criadas naquela época para fincar as bases da legislação trabalhista – jornada de oito horas, regulamentação do trabalho feminino, institutos de aposentadoria, entre outras – que seriam reunidas, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, cuja reforma está em discussão no Senado Federal.
Impossível não lembrar o papel histórico de Salgado Filho nesse momento em que 15 milhões de desempregados e outros tantos milhões de subempregados, ambulantes, biscateiros e pingentes lutam pela sobrevivência no país varrido por escândalos de corrupção nas altas esferas do poder. Recordemos, pois.
Gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu em 1888, Salgado Filho formou-se em Direito no Rio. Amigo de Getulio Vargas, já era um bem-sucedido advogado quando assumiu o Ministério do Trabalho.
Depois, em 1941, às vésperas da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, acabou se tornando o primeiro ministro da Aeronáutica. Nessa condição, negociou com aliados estrangeiros, principalmente os EUA, as bases da navegação aérea e a instalação da indústria de aviões no Brasil.
Em julho de 1950, senador pelo PTB, morreu num acidente aéreo quando viajava para um encontro com Getulio Vargas em São Borja. Junto com ele morreram o piloto e os outros 10 passageiros. Era candidato a governador.
Salgado Filho foi um sujeito que honrou sua profissão de advogado e, no poder, trabalhou pelo equilíbrio entre patrões e empregados. Paradoxalmente, é mais lembrado por seu papel como ministro da Aeronáutica do que como ministro do Trabalho.
Em cada capital do Brasil há uma rua com seu nome. Em Porto Alegre, sua terra natal, o aeroporto local homenageia Salgado Filho, o homem que desceu ao chão quando premeditava seu vôo mais alto.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A organização sindical, a lei de férias, a limitação das horas de trabalho, as comissões de conciliação, as caixas de pensões, o seguro social, as leis de proteção às mulheres e aos menores realizam velhas aspirações proletárias…”
Getulio Vargas em 30/10/1932 ao assinar a lei da jornada de oito horas de trabalho por dia