A política de teto de gastos, pactuada entre o governo federal e os Estados, já está em vigorando no Espírito Santo — numa versão mais draconiana — desde o primeiro dia do governo Paulo Hartung (PMDB). Aliás, o governador se gaba do seu pioneirismo para se colocar como exemplo de austeridade para os colegas governadores que estão com a corda no pescoço.
A régua de eficiência da atual gestão mede o desprendimento do ordenar de despesas com a tesoura. Quem corta mais gastos é mais eficiente.
Nesta sexta-feira (2), o secretário de Saúde, Ricardo de Oliveira, mostrou em números na Assembleia Legislativa por que o governador, quando lhe escolheu, disse que estava escalando um “craque” para sua equipe. “O Ricardo é o nosso Neymar”, brincou.
E em termos de contabilidade parece que é. Ele abriu sua fala aos deputados, destacando que está se virando com baixa arrecadação e orçamento limitado. E parece ter convencido, ao menos, os deputados. O presidente da Comissão de Saúde, Hércules Silveira (PMDB), que presidiu a audiência pública desta sexta, elogiou a gestão do secretário. “Falta muita coisa, mas não podemos negar os esforços em melhorar a saúde pública, não se faz mais porque precisa de dinheiro”, ponderou Hércules, que é médico.
Aproveitando a deixa do deputado, Ricardo supervalorizou o ajuste fiscal do governador. “Manter as contas organizadas não é pouca coisa”, grifou. Para valorizar as dificuldades e mostrar superação, ele lembrou, repetindo Hartung, que essa é a pior crise dos últimos 100 anos.
A exposição foi um festival de Power Point com o secretário abusando dos números. Ele sempre comparava os dados ao primeiro ano (2011) do governo de Renato Casagrande (PSB) para mostrar que, mesmo com a crise, o atual governo vem aumentando a oferta de serviços à população.
Ricardo aproveitou para se queixar do aumento de despesas oriundas de demandas judiciais, sobretudo gastos com compras de medicamentos e leitos (cerca de R$ 55 milhões). Ele reclamou que a judicialização tem sido usada como recurso de acesso aos serviços de saúde. O secretário admitiu que entre 2011 e 2016 (outubro) houve um crescimento de 361% nas demandas judiciais.
Ora, esse é um dado interessante que merece ser analisado com cautela. A judicialização não teria aumentado em razão da dificuldade de acesso da população aos serviços? Essa é uma forte possibilidade. Outra é a crise econômica, que provocou o cancelamento em massa dos planos de saúde. No último ano, quase dois milhões de pessoas cancelaram seus planos privados. Resultado, retornaram à rede pública. Só que esse usuário, mais exigente e qualificado, costuma correr atrás dos seus direitos. Talvez isso também ajude a explicar o aumento de demandas judiciais reclamadas por Ricardo.
Embora o secretário faça um balanço positivo dos resultados, as diversas pesquisas realizadas durante a disputa eleitoral deste ano no Espírito Santo apontaram a insatisfação do eleitor com os serviços de saúde. Quanto o eleitor era inquirido sobre os principais problemas do seu dia a dia, saúde costumava aparecer na frente de educação, segurança e desemprego. E aqui não importa se a eleição era municipal. No momento de recorrer à saúde, o usuário só sabe que é pública. Se é de responsabilidade do Estado ou do município, pouco importa. Na hora do sufoco ele só quer ser atendido.
Embora o Power Point da prestação de contas do secretário apresente números vistosos, a percepção da população aponta para outra realidade. A realidade tem pessoas perdendo a dignidade nas filas intermináveis dos hospitais, “empilhadas” em corredores superlotados ou esperando meses ou mesmos anos para fazer um simples exame que pode salvar sua vida.
Essa realidade caótica está longe de refletir o entusiasmo de Ricardo de Oliveira. O “craque” pode até está agradando o governador Paulo Hartung, que defende um modelo o Estado mínimo em que a saúde e seus moribundos são tratados como um fardo, do ponto de vista contábil. Um gasto que precisa ser reduzido a qualquer custo.