Uma decisão não apenas infeliz, mas até antiética, por pouco não arruinou o Carnaval deste ano em Itaúnas, vila de pescadores que pertence ao município de Conceição da Barra, no norte capixaba.
Uma casa de shows ainda forasteira na localidade, inaugurada em janeiro desse ano, a Vibe Itaúnas, disseminou nas redes sociais e em aplicativo de celular, nesta semana, ou seja, em cima do feriado, a informação de que a estrada de chão de 20 quilômetros que leva à vila de pescadores está totalmente intransitável, em função de fortes chuvas, e que tal precipitação pluviométrica acima da média está prevista para um período de 15 dias.
A notícia foi utilizada como a justificativa perfeita, em forma de nota oficial e áudio gravado por um dos organizadores, para justificar o cancelamento de uma série de shows, com atrações até internacionais, o Carnavibe, amplamente divulgado para ser realizado nos próximos sábado e segunda (10 e 12), no estabelecimento privado. A casa já havia iniciado vendas antecipada de ingressos, inclusive com excursões saindo da Grande Vitória. Precisava de um motivo “nobre” para tentar sair por cima.
Acontece que o caos descrito no áudio, somado ao aviso de cancelamento do Carnavibe, foi interpretado por muitos turistas como o fim de qualquer programação cultural em Itaúnas neste ano de 2018. E, mesmo quem nem sonhava em participar do tal evento, passou a acreditar que seria impossível chegar até a vila, uma vez que a estrada estaria em péssimas condições. Ledo engano!
Assim como sempre foi, antes da chegada da nova casa de shows, Itaúnas mantém sua tradição no feriado, com ampla programação voltada para o forró e blocos locais, assim como o acesso à vila permanece viável. Quem conhece Itaúnas sabe que, mesmo com muita chuva, a estrada não fica totalmente interditada.
O acontecido, com toda a razão, despertou a indignação de comerciantes de Itaúnas, que começaram a contabilizar prejuízos depois que as informações da falsa interdição da estrada viralizaram, como o cancelamento de reservas nas pousadas.
E o pior: o adiamento do Carnavibe, um evento particular e isolado da programação oficial, começou a ser associado com o fim do Carnaval na vila! Mas como assim? A casa de shows nunca norteará, nem de longe, o turismo da vila, que, por sinal, é tradicional por décadas, atraindo um público menos ligado a megaeventos e mais sintonizado com uma folia mais intimista. Essa sim a verdadeira “vibe” da vila.
Circula por lá que em vez de admitir o fracasso na venda de ingressos para o evento de Carnaval, a Vibe Itaúnas resolveu colocar a culpa na chuva e na estrada de chão. Para proteger seu próprio negócio, prejudicou os demais comerciantes que estão na vila há anos, vivendo do turismo.
O caso do Carnaval é apenas mais um capítulo que envolve o novo empreendimento, instalado rapidamente na vila, com todo apoio da prefeitura de Conceição da Barra.
O secretário municipal de Meio Ambiente, André Tebaldi, morador de Itaúnas, não impôs qualquer dificuldade para o licenciamento do empreendimento, apesar da instalação da casa ter derrubado árvores centenárias da Mata Atlântica, em área que integra o Parque Estadual de Itaúnas (PEI). Também não há regras para volume de som, nem estudos de impacto socioambiental – a casa se propõe a receber o triplo de pessoas que hoje moram na vida. Outra questão é a saída de emergência, em uma rua estreita, que em épocas de feriados e férias sequer permite a passagem de veículos padrão.
Um dono de pousada da vila resume que os responsáveis pela Vibe Itaúnas erraram em sua pesquisa de público. Quem eles pretendem atrair para a casa de show tem um perfil que destoa complemente dos freqüentadores da vila por, no mínimo, quatro décadas.
São pessoas mais preocupadas com consumo fast-food de shows, que não se integram à vila, e deixam muita sujeira e degradação. Na verdade, uma “vibe” descompromissada com Itaúnas, que integra um parque ecológico, tem manifestações culturais marcantes, e é conhecida em todo o País como a Capital do Forró. Merece muito mais respeito.
