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Tempo de espera

Esperamos amealhar fortuna e viver melhor, e deixamos o dinheiro esperando no banco;  esperamos um lugar ao sol, mas está quente e esperamos um lugar à sombra.
 
Esperar deve ser um dos castigos impostos ao homem quando expulsos do paraíso. Estamos sempre em tempo de espera, uma disfunção da natureza humana. Mal tomamos consciência de que somos tão perecíveis quanto um maço de coentro, começamos a esperar o fim. Com os muitos avanços da ciência, da tecnologia e dos meios de informação, esse fim talvez seja prorrogável, mas pelo menos até o momento em que rabisco essa coluna, é inevitável.
 
O lindo dia lá fora, embora sempre sujeito a chuvas e furacões,  não me induz a falar no fim. Falo em vida,  e viver é um ato de espera. No mais das vezes, esperamos nove meses para vir ao mundo, e nunca mais paramos de esperar… os primeiros passos, as primeiras palavras, e o grande salto para o futuro – deixar a fralda. Esperamos crescer e ficar igual ao papai ou à mamãe, depois esperamos deixar de parecer com eles – a esperada independência.
 
Esperamos o primeiro amor e depois dele, os outros. Esperamos o primeiro emprego, o primeiro casamento, o primeiro carro, a primeira casa própria, nem sempre nessa ordem. Esperamos ter filhos, depois netos. Esperamos a promoção e o aumento pro ano que vem. Esperamos a fama, e quando a alcançamos esperamos ser esquecidos. Esperamos amealhar fortuna e viver melhor, e deixamos o dinheiro esperando no banco;  esperamos um lugar ao sol, mas está quente e esperamos um lugar à sombra.  O ser humano é muito indeciso.
 
Temos grandes e definitivas esperas, como temos as esperas do tipo feijão-com-arroz. Espera-se no sinal para seguir caminho, espera-se na fila do caixa, na fila do restaurante, na fila do cinema, na fila do banco. Espera-se que o ônibus passe vazio e que o avião não atrase; espera-se na lista de espera para uma viagem de última hora, ou na lista dos aprovados daquele concurso público que não chama ninguém. A máquina burocrática sempre espera.
 
E como estamos sempre esperando o tempo passar, o relógio talvez seja o objeto mais usado no mundo – quantas vezes o consultamos durante o dia? Nosso marcador de esperas é o feitor que nos põe a correr, mas move em câmera lenta tudo que esperamos. Quem bem o define é Machado de Assis, “O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede. Conheço um que já devorou três gerações da minha família”.
 
Reclamamos de tantas esperas, o tempo que se perde nos engarrafamentos e para encontrar uma vaga, o filme depois dos comerciais,  o aquecimento antes do jogo, o prato pedido no restaurante slow-food, esquecendo que existem pessoas esperando em filas de alimentos, de remédios, de atendimento médico, de vaga em leito de hospital. Ou um milagre dos céus, quando os direitos básicos do ser humano têm que ser esperados. O tempo não espera.  
 
Entre uma espera e outra esperamos a vida melhorar, o país melhorar, o mundo melhorar… Vamos acumulando esperas e esperanças, porque a vida é uma estação onde esperamos, sem relógio e sem passagem com data marcada, que a morte nos esqueça, a velhice não chegue, que os filhos não cresçam, que os netos não desapareçam, que as amizades não decepcionem, que o dinheiro não acabe e o cartão de crédito seja eterno – como o amor e a saúde. É esperar demais? 

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