Expansão e aceleração do extremismo na internet
Houve uma mudança no perfil dos ataques terroristas nos últimos 10 a 15 anos, sobretudo no que se refere a filiações, se destacando um caráter preponderante de lobos solitários, em fenômenos aleatórios, antes de sua apuração, e sempre imprevisíveis, pois os mecanismos de controle e vigilância nunca são os ideais e, por sinal, nem existem, efetivamente, para estes casos, que são fomentados e eclodem cada vez mais rápido, sob a influência, agora, da internet. E pessoas cada vez mais jovens são cooptadas e recrutadas para tais ataques.
O terrorismo de organizações, de execuções coordenadas continua, mas foi ultrapassado por um tipo de ataque difuso ideologicamente, normalmente obedecendo a uma nova dinâmica de internet chamada de “salad bar”. Esta dinâmica é nada mais que a mistura de diferentes ideologias, que estão nos grupos e fóruns da internet, em sites como Discord, Telegram e Roblox, que formam o caldeirão em que, geralmente, e ultimamente, alguém muito jovem vai se alimentando, por diversos motivos, e explode, logo em seguida, ao realizar um ataque, ou de tiroteio ou de terrorismo.
As comunidades extremistas online influenciam esses jovens que, neste caso, têm acesso a informações sensíveis, dentre elas algo de forja e técnicas de ataque, mas nada que constitua um treinamento formal ou que envolva recursos diretos de uma organização. E o aumento deste terrorismo de lobo solitário ocorreu em conjunto com a expansão do fenômeno de tiroteios com vítimas em massa.
Na virada para o século XXI, foi registrado o aumento vertiginoso de tiroteios em massa nos Estados Unidos. E de algo de características norte-americanas, tais ocorrências começaram a se espalhar por outros países. Houve um crescimento na Europa Ocidental, por exemplo. A dificuldade de definição ideológica e de motivações coloca uma zona cinzenta na própria classificação do que é somente tiroteio em massa e do que é terrorismo. E na última década tal fronteira se tornou mais tênue.
O desafio desses ataques contemporâneos se dá sobretudo na cognição de seus rastros, pois possuem características como isolamento individual, são pessoas que não estavam em grandes redes de comunicação e nem tinham amplo apoio financeiro, colocando um nível de dificuldade considerável na detecção desses planos, antes que aconteçam. A escala reduzida e seu curto prazo de preparação colocam tais ataques como praticamente imprevisíveis. Os meios de controle e vigilância se dão por infiltrações investigativas, mas são insuficientes para cobrir fóruns de barbárie que se multiplicam ao invés de diminuir.
A cooptação de jovens por tais grupos extremistas se tornou corrente, e isso se deve ao fato de que muitos deles possuem conhecimento de tecnologia e passam um longo tempo online, se tornando alvos vulneráveis de propaganda extremista e manipulação ideológica. A vulnerabilidade pode se dar por gatilhos, via catalisadores como frustrações pessoais, traumas, problemas de saúde mental, imitação, além da exposição simples à propaganda extremista. O limiar, por sua vez, pode ser trabalhado pela estabilidade psicológica, limites morais e pessoais e resiliência. Tudo passa pela capacidade do indivíduo de conter ou auditar suas motivações e emoções.
Contudo, tem acontecido uma expansão e aceleração do extremismo na internet, com focos cada vez maiores e mais espalhados de radicalização e uma facilidade cada vez maior, também de acesso a esses materiais criminosos. Somado a isso, plataformas com algoritmos que promovem conteúdos radicais criam bolhas e moldam o caráter vulnerável de indivíduos que são atraídos, expostos e cooptados por meio do extremismo violento e radical na internet.
O ISKP (Estado Islâmico da Província de Khorasan), por exemplo, dissemina conteúdo multilíngue, por meio de postagens em pashto, dari, árabe, urdu, farsi, turco, tadjique, uzbeque, russo e inglês, incentivando a formação de grupos baseados no conceito de salad bar, de mistura ideológica, com tutoriais online que ensinam a construção de explosivos caseiros, aquisição de armas de fogo e etc. Essa rede está em franca expansão.
Fenômenos geopolíticos diversos também fomentam focos e surtos de radicalização, se juntando aos citados problemas pessoais de tais indivíduos, com gatilhos que podem produzir um ataque violento. O risco de terrorismo de lobos solitários só aumenta devido ao fato de termos, cada vez mais, conjunções sociopolíticas de frustração, juntando às condições pessoais desses indivíduos, fatores também de caráter psicossocial. A alienação cultural e a falta de perspectivas, algumas vezes se ligando a fatores de ordem de saúde mental, são os perpetradores desse terrorismo vindo da internet.
Tais fenômenos de lobos solitários remetem, historicamente, ao período de virada do século XIX para o XX, em que ocorreu a era do terrorismo anarquista, em que lobos solitários atuavam dessa forma, pela rejeição a formas organizadas ou que tivessem lideranças e hierarquias. Um desses ataques foi o do assassinato do presidente norte-americano McKinsey, em 1901.
Atualmente, a radicalização acontece online, de modo difuso, misturando incels, neonazistas, satanistas, pedófilos, jihadistas, machosfera, fetichistas de true crime, incentivadores de suicídios, tudo com um pano de fundo que pode passar por uma versão remodelada de aceleracionismo, uma filosofia que veio da esquerda, agora em interpretações neonazistas e extremistas de direita. É este mistifório que forma o que se chama de subculturas online de radicalização e extremismo.
Ocorre uma crueldade cada vez maior, monetização por meio de desafios online para crimes diversos e mutilações autoaplicadas, além de brincadeiras perigosas e vídeos de Child Porn, que são gravações de pornografia infantil, produzidas, compartilhadas e vendidas por e para pedófilos na internet. Ainda tem transmissões ao vivo em que se cometem violências contra animais e moradores de rua.
(continua)
Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.
Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.
SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes.
Mapa da Saúde Mental
O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza, ainda, materiais de orientação sobre transtornos mentais.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com