Jornalista, quando não torce, distorce. É o que diz o senso comum. Embora não tenha consciência das motivações que transformam fatos em notícias e manchetes, a maior parte do público sente que os meios de comunicação refletem as pressões dominantes. Assim:
O repórter esportivo favorece seu time do coração.
No mais das vezes, o repórter policial se satisfaz com a versão da polícia, deixando-se levar pela lei do menor esforço.
Já o repórter político reproduz os interesses das classes conservadoras ao ouvir prioritariamente os peixes grandes, com o que se sujeita a refletir os desejos dos seus patrões, coincidentemente enrolados numa crise setorial mais grave do que a crise da economia em geral.
Quanto aos repórteres e/ou colunistas econômicos, a maioria absoluta se contenta em reproduzir o que dizem as “fontes do Mercado”, o qual é tratado como uma instituição maiúscula, embora seus porta-vozes, convenientemente anônimos, sejam meia dúzia de operadores entrincheirados em bancos, agências de câmbio e trading companies.
Assim, se o leitor perguntar qual o pior problema da crise econômica brasileira — o desemprego ou a inflação? –, o comentarista especializado dirá que é o desemprego, que já passou de 11%, quase o dobro de três anos atrás, quando a economia estava mais ou menos estabilizada num patamar de baixo crescimento (1,5% ao ano). Segundo esse ponto de vista, a inflação deixou de ser o maior problema, pois entrou num viés de baixa, enquanto o desemprego ainda está num viés de alta…
Enquanto a maior parte da mídia fica nessa dualidade – desemprego x inflação –, praticamente ninguém aponta para o fato de que a economia brasileira é prisioneira perpétua do endividamento público, que consome a maior parte dos recursos nacionais e mantém as forças econômicas do país condicionadas a pagar juros altos e dividendos caros aos credores e rentistas.
A dívida pública é a mãe da pobreza, da falta de educação, da crise de saúde da população brasileira. Os juros altos são o combustível da fogueira da carestia que assola a maioria do povo.
Sendo grande e contínua a sangria financeira, estão sempre faltando recursos para investir em obras públicas, que gerariam demanda de mão-de-obra, além de incrementar o mercado de máquinas, equipamentos e insumos.
No momento, estamos vendo obras paralisadas por falta de recursos. Com isso, cresce o desemprego. Refletindo as ditas forças do Mercado, o Congresso trabalha para flexibilizar as leis trabalhistas, cujo rigor será amenizado para facilitar a vida das empresas.
Perdido no tiroteio do impeachment, o governo interino dispõe-se a satisfazer quem mais pressiona por meio da mídia, de lobbies profissionais e dos chamados canais competentes, que incluem parlamentares, sindicatos, federações etc. Estamos num círculo vicioso em que levará a pior a maioria espremida na parte mais baixa da pirâmide de renda. Na realidade, os governos trabalham para ajudar as grandes empresas.
Muitos jornalistas têm consciência disso, mas a maioria está presa à pauta diária, que se alimenta do noticiário padronizado de acordo com o viés mercantilista do modelo de jornalismo vigente. Nesse batidão da cobertura jornalística, a maioria dos repórteres vai para os eventos como os crentes vão a um culto ou a uma procissão.
Para reverter esse quadro de submissão ao conservadorismo, o único caminho factível seria a deflagração de um amplo movimento de desobediência civil em escala nacional. Aqui voltamos ao início deste artigo: se a maioria do povo não se dá conta do nível de manipulação da crise pela mídia, como se poderia iniciar uma luta decisiva para recolocar o governo nas mãos da pessoa escolhida em 2014 para exercer a presidência?
LEMBRETE DE OCASIÃO
Se falta lã para alguns, a culpa não é das ovelhas
Carlos Moraes, escritor gaúcho