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Um dique prestes a romper

O terceiro mandato do governador Paulo Hartung (PMDB) não lembra nem de longe os dois anteriores. De 2010 para o início de 2015 – quando ele, respectivamente, encerrou o segundo mandato e iniciou o terceiro – muita coisa mudou. Hartung, de alguma maneira, tenta reeditar o arranjo institucional que deu sustentação à sua gestão durante oito anos de governo, mas a realidade é completamente diferente. A sensação que se tem é de que o governador procura conter desesperadamente as fissuras que vão se abrindo num dique prestes a romper. 
 
As rachaduras surgem por toda a parte. Os servidores do Judiciário estão em greve desde o dia 6 de outubro e não se vê no horizonte perspectiva de acordo. O comando do Tribunal de Justiça continua de pires na mão esperando pingar uma suplementação do Palácio Anchieta, que também não dá sinais de que enviará a cavalaria para socorrer a Corte “perdulária”. Mesmo que a ajuda chegue, o recurso já estaria comprometido com as atuais despesas do TJES, que já rompeu o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas, graças a uma pedalada fiscal, se mantém no limite de gastos.
 
Outra fissura que se esgarça a cada dia é o litígio do governo com os servidores públicos estaduais. Nesta quarta-feira (28), aliás, os servidores voltam às ruas para mais um protesto. Eles fazem menção ao Dia do Servidor (28/10) para “descomemorar” a data. 
 
Desde o início do ano o funcionalismo tem recorrido aos protestos, muito criativos por sinal, para expor à sociedade a insatisfação da categoria com a política econômica do governo Paulo Hartung. A campanha “Esse abraço eu não quero”, que usa um cacto para ilustrar o descaso do governo com o servidor, simboliza muito bem o desgaste dessa relação entre servidores e governo.
 
Assim como no caso dos servidores do Judiciário, um acordo entre o governo e o funcionalismo parece cada vez mais distante. Os servidores, justiça seja feita, têm buscado o diálogo, mas não há ressonância por parte do governo, que se mantém intransigente. O governador Paulo Hartung se agarra ao discurso da crise para justificar que qualquer demanda que mexa no caixa do governo é imprópria para o momento e não merece ser discutida.
 
A busca dos prefeitos por recursos – apesar do empenho do presidente da Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo (Amunes), Dalton Perim, em blindar o governador -, é outra demanda premente que, literalmente, tem batido à porta do Palácio Anchieta. É verdade que os prefeitos, vulneráveis como estão, não têm coragem de pôr o governador contra a parede, mas se queixam pelos cantos do jogo duro que vem sendo imposto pelo Palácio Anchieta, que se resume em tapinhas nas costas e conselhos para fechar o cofre e jogar as chaves fora.
 
A Assembleia Legislativa é outra fenda que vem ameaçando romper o dique desde o início do ano. Os deputados Enivaldo dos Anjos (PSD) e Sérgio Majeski (PSDB) vêm causando “abalos sísmicos” que sempre acabam reverberando no Palácio Anchieta, provocando desgaste ao governo.
 
Na sessão dessa terça-feira (28), por exemplo, Enivaldo puxou uma polêmica envolvendo o secretário de Agricultura Octaciano Neto. Ironicamente, já que a analogia deste artigo se refere a um dique prestes a estourar, a polêmica que irritou os deputados foi em relação ao mapa de barragens para mitigar a crise hídrica. Os parlamentares se queixam que têm ficado de escanteio nas andanças do secretário pelo interior para implantação do projeto. Reclamação, aliás, recorrente também em relação a outros secretários
 
O descontentamento foi tão grande que até lideranças do núcleo duro do governo se rebelaram. Foi o caso do deputado Guerino Zanon, que não alívio no tom das críticas ao governo. “Este governo deve ser um governo de todos e não de um grupinho”, disparou Zanon. A demanda dos deputados é simples, com praticamente todas as obras paradas, o pouco que acontece, mesmo em situações emergenciais, seria uma oportunidade para os parlamentares ganharem um pouco de visibilidade junto às suas bases. Mas o governo não tem tido sensibilidade para a demanda dos deputados.
 
Todas as demandas que ameaçam o dique de Hartung têm um ponto em comum: dinheiro, ou melhor, a falta dele. O governador, por sua vez, segue convicto na sua estratégia de manter o cofre trancado
 
Quem leu o artigo de Paulo Hartung na Folha de S. Paulo no domingo (25) — “Saber e fazer” — pôde compreender melhor o que está por trás dessa estratégia. Sentindo a pressão interna aumentar a cada dia, Hartung, já faz uns meses, vem tentando se firmar de fora pra dentro do Estado. O artigo publicado num dos jornais mais importantes do País tem esse intuito. O governador quer mostrar que sempre foi um homem à frente do seu tempo, que já incorporava o discurso da “nova política” muito antes de Marina Silva pôr o termo em voga na última eleição. Ele quer tornar público que pegou um Estado arrasado pelo antecessor “irresponsável”, mas que em menos de dez meses de governo vem mostrando aos colegas governadores (e também a Dilma, por que não?) que tem a receita para enfrentar e vencer a crise. 
 
O governador capixaba “ensina” no artigo publicado no jornal paulista, que o Brasil precisa de um ajuste fiscal profundo e também de uma revolucionária atualização da gestão pública. Ele conta que desde o primeiro dia do seu mandato vem enfrentando a crise basicamente com a “depuração modernizante da gestão”. Sensacional! Vamos repetir para fixar: “depuração modernizante da gestão”
 
Em outras palavras, o governo vai continuar sentado em cima da chave do cofre, asseverar o discurso de crise e manter o pensamento de que qualquer demanda que envolva dinheiro é imprópria, um ato insano, quase um atentado a um governo abnegado que tem feito tudo para recolocar o Estado nos trilhos.
 
O leitor mais atento deve ter percebido que, fora a cobertura da imprensa alternativa – na qual nos incluímos – a chamada grande imprensa capixaba tem ignorado solenemente as paralisações dos servidores e outros assuntos que desestabilizam o governo. No caso das greves, as poucas notícias publicadas, quando saem, tentam criminalizar os movimentos sindicais e vitimizar o governo.
 
Se nos primeiros mandatos de Hartung ele “elegeu” o crime organizado como o inimigo a ser eliminado, agora, aos poucos, ele vem criminalizando os movimentos sindicais e todos aqueles que se opõem ao esforço do governo de tirar o Estado do fundo do poço. 
 
A exemplo do que ocorria nos seus dois mandatos anteriores, o controle da informação, mesmo na era das redes sociais e tudo o mais, por incrível que pareça, ainda tem sido uma eficiente ferramenta de controle e persuasão, recurso típico de governos autoritários.

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