A reportagem de Século Diário precisou de apenas seis semanas para confirmar o óbvio: existe um esquema por trás do sistema de concessão de placas de táxis na cidade de Vitória. Divididos entre o medo e a revolta, os taxistas, os chamados defensores — aqueles que passam longas jornadas atrás do volante para defender o ganha pão, já saem de casa devendo R$ 200 ou R$ 300 reais ao dono da placa — acabaram, após dois dedos de prosa, entregando à reportagem o que todos já sabem, mas com riqueza de detalhes.
A reportagem mostrou que esse é um sistema óbvio, mas que é muito bem blindado, ou seja, é algo que todo mundo sabe que existe, mas ninguém ousa denunciar. As pessoas simplesmente se conformam que as coisas são como são e não há como mudar. “É o sistema!”
Além da confirmação de que o negócio de exploração de placas está nas mãos de um grupo restrito que comanda frotas de até 60 táxis, cujo faturamento soma pelo menos R$ 300 mil mensais, eles apontaram indícios que mostram que o mercado de táxi em Vitória ultrapassa os grandes permissionários e donos de placas. Um esquema que envolve a Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran), atingindo, em cheio, o líder do prefeito Luciano Rezende na Câmara, vereador Rogerinho Pinheiro (PHS).
Rogerinho, na condição de ex-taxista, reivindica para si o a bandeira de represente da categoria na Câmara. Afinal, foi o primeiro vereador na Câmara a vociferar contra a ameaça do Uber em Vitória. Mas Rogerinho não estava preocupado com os direitos dos defensores, mas sim em proteger os tubarões que operaram o sistema.
Nessa cadeia que controla o sistema de exploração de placas em Vitória, os defensores, a maioria, são apenas os operários que estão subjugados à base da pirâmide.
Essa é uma organização dividida em castas impermeáveis. Raras exceções, não há interesse da “elite” em permitir mobilidade a seus membros. Quem entra defensor, geralmente, segue defensor a vida inteira. Permitir a mobilidade significaria pôr em risco todo o esquema que protege o negócio e enriquece os membros que se situam nos andares de cima da pirâmide.
Acima dos defensores, estão os permissionários, que são graduados nessa classificação de poder pelo número de placas que detêm. Como mostrou a série de reportagens de Século Diário, figuras como Carlos Agner, Josias Siqueira, Mateus Ataíde e Alex Muller, são considerados “tubarões” no negócio de táxis em Vitória.
No topo da pirâmide está um seleto grupo que comanda todo o esquema. Figuras como o vereador Rogerinho Pinheiro, que tem a função de fazer a blindagem do sistema. Até a semana passada, na condição de líder do governo na Câmara, o vereador mantinha estrategicamente, influência sobre a Setran. Como levantou a reportagem, a secretaria conta hoje com cerca de 132 servidores, dos quais 45 são comissionados, isto é, 34% do quadro de servidores estão alocados na Setran em decorrência do “escambo” político.
Aliás, o vereador Max da Mata (PSD) também não passa incólume no esquema dos táxis. O vereador, após eleito em 2012, antes mesmo de assumir seu mandato, foi nomeado direto para a Setran pelo prefeito Luciano Rezende. Foi justamente na gestão de Max que começou a ser preparado o edital que está entregando hoje 108 novos permissões na Capital.
A passagem de Max da Mata pela Setran revela outro personagem no esquema: Alex Sandro Muller Helmer. O novo explorar do negócio entrou de cabeça na campanha do então candidato a vereador Max da Mata e depois passou a ter livre trânsito na Setran.
A proximidade de Helmer com a Setran levanta outra suspeição: Rosiane de Oliveira Puppim, que vive maritalmente com o cabo eleitoral de Max Mata, foi primeira colocada da atual licitação. Para ganhar pontos preciosos no processo de licitação, Rosiane garante que se qualificou em quatro línguas estrangeiras.
Mas não é só ela que está vendo o sonho de ter um táxi realizado, a irmã de Helmer, Simone Muller, e o marido dela, Heverton Ribeiro, também foram contemplados como permissionários na atual licitação.
A qualidade de dominar com facilidade vários idiomas também parece um dom do grupo ligado a Helmer. Heverton qualificou-se em inglês, italiano e espanhol em 40 dias e somou pontos valiosos para conquistar uma placa.
Dotes poliglotas à parte, a CPI da Câmara tem a oportunidade de passar o esquema de concessão de placas a limpo. A iniciativa dos dez deputados que assinaram o pedido de instalação da CPI é uma sinalização positiva de que, pela primeira vez, há vontade política para desnudar propinoduto que cerca a exploração do serviço de táxi em Vitória. É uma oportunidade para descobrir quem são os verdadeiros operadores do negócio, que até então seguem blindados nos andares superiores da pirâmide.
Resta agora esperar para ver se essa CPI vai embarcar nessa corrida até o fim ou se vai pedir para descer no meio do trajeto.