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Um pouco de lucidez

O improvável aconteceu. Apareceu uma instituição com coragem para questionar um dos “benefícios” mais escandalosos da lista de “penduricalhos” dos membros do Ministério Público. A Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp) contesta a norma que regulamenta o pagamento do auxílio-moradia a procuradores e promotores dos MPs de todo o País.
 
A entidade protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5645) no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão de uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que assegura o pagamento a membros dos MPs estaduais e da União. O órgão alega que o tema só poderia ser regulamentado por lei, e não por norma do órgão de controle.
 
O pleito da Ansemp é justíssimo. Aliás, a Associação Nacional dos Servidores do Judiciário (ANSJ) deveria seguir o mesmo caminho dos colegas do MP. Não é razoável que procuradores, promotores e juízes continuem recebendo R$ 4,3 mil de auxílio-moradia a título de “penduricalho”. A Ansemp assevera que o auxílio perdeu seu caráter indenizatório, transformando-se em complemento salarial. 
 
Isso já não é segredo para ninguém. É um escândalo público. Os próprios beneficiários, quando são provocados sobre polêmica, costumam se indignar para defender o “penduricalho”. Alguns mais arrogantes tentam justificar o “benefício”. Causa espécie a entrevista que o então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, deu ao Jornal da Cultura, em 2014, auge da polêmica. 
 
Entre outros despautérios, Nalini admitiu, na cara dura, que o auxílio-moradia “disfarça um aumento do subsídio”. Ele explica: “Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro”. 
 
Não bastassem alegações tão divorciadas com a realidade do povo brasileiro, em seguida ele ainda acrescenta: “O auxílio-moradia foi um disfarce para aumentar um pouquinho. E até para fazer com que o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC etc”. 
 
Basta olhar para a lista de procuradores, promotores e magistrados que desfrutam do benefício para deduzir que o raciocínio de Nalini reflete o pensamento dos colegas dos MPs e TJs
 
Por aqui, o MP e TJ também sempre defenderam com unhas e dentes o direito ao benefício, que equivale a quase cinco salários mínimos (R$ 937). A indignação aumenta quando se visita o portal da transparência dessas duas instituições e se depara com os vencimentos dessa parcela privilegiada da população brasileira, que vive completamente apartada da realidade. 
 
No mês de novembro de 2016, por exemplo, 269 dos 299 membros do MP capixaba receberam vencimentos líquidos acima do teto constitucional (R$ 33,7 mil); desses, 246 puseram no bolso mais de R$ 50 mil. No topo da pirâmide, 23 felizardos ganharam mais de R$ 70 mil, sendo que uma promotora por muito pouco não rompeu a barreira dos R$ 100 mil. Chegou perto: R$ 99.625,07. 
 
Apesar dos salários gordos, ninguém parece estar disposto a abrir mão do “disfarce”, como classificou o auxílio-moradia o desembargador José Renato Nalini. É muito provável que a Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público não tenha sucesso nessa empreitada de barrar o benefício, mas vale pela lucidez da iniciativa. Alguém precisa gritar.

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