Sexta, 19 Abril 2024

Um tiro no pé dos generais

 

 
 
Já se passaram 27 anos desde o fim da ditadura militar que se prolongou por 21 anos e aqui estamos a ver cidadãos que eram crianças em 1964 chegarem ao posto máximo da hierarquia militar. O tempo passou num instante, como disse Chico Buarque nunca canção dos anos 60, mas até hoje pouco sabemos sobre o que pensa um desses jovens generais sobre aquele tempo que tanto pesou sobre o país.  
 
Ainda tateamos no escuro para identificar heróis e vítimas daquele tempo sombrio.
Trabalhando em silêncio, a Comissão da Verdade não diz claramente se está encontrando facilidades ou dificuldades em sua tarefa de descobrir malfeitos nos subterrâneos do regime autoritário implantado em 1964 pelos militares com o apoio da maioria dos empresários e da classe média.
 
Ninguém ignora que há um mal estar no ar, mas tampouco se pode negar que seja preciso passar a limpo essa história. “Nenhum país pode andar pra frente com uma mitologia falsa”, disse Flavio Koutzii, defensor dos direitos humanos no Rio Grande do Sul. Fichado pelo SNI e o DOPS,  ele precisou refugiar-se na Argentina, pois não se sentia seguro no Brasil, isso lá nos idos de 1970.
 
Há generais insistindo que não houve tortura. Outros dizem que havia uma guerra para valer e que voltar ao assunto é provocação, revanchismo. Ou, então, que seria preciso investigar também os crimes dos esquerdistas que fizeram “justiçamentos” de gente que estava do outro lado.
 
A verdade é que houve uma meia dúzia de chefes militares que mandariam castigar até matar seus prisioneiros. E  não duvidariam em censurar os jornais que ousassem publicar alguma coisa sobre violações de direitos humanos. Mas a hierarquia militar preserva os nomes dos comandantes que ordenaram a execução de prisioneiros.  
 
Nós que vivemos aquele tempo de medo e privação da liberdade não podemos deixar que o silêncio da omissão nos cale quando se fala dos presos, torturados, mortos, fuzilados, desaparecidos ou enterrados em cemitérios clandestinos. Isso não é ficção. Impossível que milhares de pessoas tenham inventado que perderam seus parentes na guerra suja.   
 
Isso vai se descobrindo aos poucos. Aqui e ali afloram documentos como o livro Memórias de uma Guerra Suja em que o ex-policial Cláudio Guerra conta ao repórter Rogério Medeiros coisas terríveis sobre o extermínio de opositores nos tempos da ditadura militar.
 
Aos poucos chegamos ao ponto de não ter qualquer dúvida de que uma minoria de militares da linha dura, em parceria com policiais civis e atuando em conluio com forças de segurança de países vizinhos, praticou, incentivou e fez vista grossa a uma política de extermínio de opositores políticos.
 
Esse exercício de baixa política, a mais baixa política, fica claro após a leitura de Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios, de Luiz Cláudio Cunha, que conta a história de um crime ocorrido em Porto Alegre em 1978, quando policiais gaúchos deram cobertura ao seqüestro de dois subversivos uruguaios refugiados no Brasil.
 
“Subversivo” é uma palavra daquele tempo. Também era muito usado o termo “terrorista”. Os guerrilheiros urbanos e rurais que ousaram afrontar a ditadura podem ser acusados de ingênuos, equivocados e mal informados; ou até de manipulados no seu idealismo e na sua justa revolta contra a injustiça, mas eles exerciam o direito da rebelião diante de um governo que violou a Constituição inúmeras vezes.
 
Os que escaparam vivos foram julgados pela Justiça Militar. A presidenta Dilma pegou três anos de cadeia. No seu discurso de posse ela disse que não pensava em vingança. Ela agiu como estadista ao instituir uma comissão com o objetivo de passar o tema a limpo.
 
Por isso, o acobertamento de violações dos direitos humanos por chefes militares é um tiro no próprio pé. Os militares que tentam proteger “criminosos de guerra” retardam a implantação de uma verdadeira democracia entre nós.
 
Uma democracia começa pelo respeito à verdade. A verdade se constrói com o respeito à memória dos fatos. Uma democracia que se preze não se sustenta em cima de mentiras.
 
Um militar que torture ou que proteja torturadores é tão indigno quanto um padre pedófilo, um policial achacador, um juiz que venda sentenças ou um médico traficante de órgãos. Todo mundo sabe que existem esses desvios praticados por uns poucos. No caso militar, foi coisa de alguns celerados que se escondiam atrás da farda, sujando a barra da instituição militar.   
 
Como em toda atitude humana, existe aí um problema ético a ser resolvido. Espera-se que nos próximos dias um militar estrelado reconheça os malfeitos e ponha as coisas em pratos limpos. A História do Brasil saberá reconhecer seu feito.   
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Nosotros somos derechos y humanos”
 
Eslogan da direita argentina, que usou aviões militares para jogar presos políticos no Atlântico

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