Sábado, 20 Abril 2024

Vai uma CLT flex aí?

 

Circula na Internet um abaixo-assinado de advogados e juizes do trabalho contra a flexibilização da legislação trabalhista. É um movimento de resistência ao esforço orquestrado pelos meios empresariais + sindicatos colaboracionistas + governo para diminuir os encargos sobre os salários e promover o desmanche de direitos trabalhistas inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho, a famoso CLT de 1943.
 
O abaixo-assinado denuncia – como participante explícito e privilegiado da orquestração – o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, berço do sindicalismo autêntico liderado por Lula no final dos anos 1970, quando a ditadura militar agonizava. A mudança de comportamento do sindicato seria uma espécie de neopeleguismo?  
 
O esforço para flexibilizar a legislação trabalhista lembra a reforma do Código Florestal feita para agradar aos agentes do agronegócio. Em nome de uma modernização nos contratos de trabalho, tenta-se tirar direitos dos trabalhadores em geral. Participam desse processo personagens centrais do governo federal como Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência da República, o que leva ao nome de Dilma Rousseff – será mesmo?
 
Na prática, é como se os dirigentes empresariais e seus aliados no sindicalismo estivessem a dizer: “OK, a iniciativa privada admite e até aplaude que o governo promova a inclusão social dos sem emprego e de outros marginais da sociedade, mas em troca é necessário desfazer as regalias que favorecem os trabalhadores formalmente empregados...”
 
No Congresso, a única voz contra o projeto é a do senador petista gaúcho Paulo Paim, que tem origem no sindicalismo da Grande Porto Alegre. Em recente pronunciamento, ele denunciou: "Estou sabendo que o Poder Executivo pretende enviar ao Congresso Nacional proposta para mudar a legislação trabalhista e criar duas novas formas de contratação, a eventual e por hora trabalhada. Na prática, Está em plena gestação um processo para flexibilizar a CLT, a maior conquista social dos trabalhadores brasileiros”
 
No início de agosto, o jornal Valor Econômico informou que “a presidente Dilma Rousseff prepara para depois das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas reformas: a da previdência, em troca do fim do fator previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de empresas e sindicatos."
 
Esta não é a primeira vez que se tenta mexer na CLT. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi enviado ao Congresso um projeto para alterar o artigo 618, autorizando a “livre negociação”. Logo que assumiu o governo, em 2003, o presidente Lula mandou retirar o projeto do Congresso. Agora o projeto está de volta, com outro formato.
 
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC trabalha abertamente pela criação do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico. “Trata-se de proposta que visa aperfeiçoar as negociações coletivas e instituir a organização sindical no local de trabalho, duas bandeiras históricas dos setores que defendem a liberdade sindical”, escreveu o advogado Vinicius Antunes (do SMABC) em artigo a favor da inovação. Segundo o advogado, esse acordo coletivo qualificado respeitaria tão somente o art. 7º da Constituição, que trata dos direitos dos trabalhadores. A CLT, não.
Em defesa do projeto, o sindicato do ABC argumenta que um acordo coletivo é muito mais importante para um metalúrgico do que a CLT, que protegeria apenas as categorias menos organizadas. Como a ideia é “democratizar as relações nas empresas com o fortalecimento da representação sindical e das negociações coletivas”, o projeto “ajudaria a relativizar o poder diretivo” e os trabalhadores “ganhariam importância” na gestão.
 
Argumentação semelhante a esta foi exposta pela Confederação Nacional da Indústria, quando os ventos do neoliberalismo sopravam forte no Planalto, no ABC e outras paragens. Desde a primeira gestão petista, em 2003, muitos sindicalistas foram cooptados pela máquina governamental. Em entrevista ao Instituto Humanitas da Unisinos, a socióloga Graça Druck, da Universidade Federal da Bahia, reconheceu a existência de “uma promiscuidade” entre centrais sindicais, sindicatos trabalhistas e governo.  
 
O abaixo-assinado dos advogados e juizes trabalhistas argumenta que o estudo do direito do trabalho no Brasil foi, durante muito tempo, deixado em segundo plano nos currículos das faculdades, o que dificultou a compreensão de sua pertinência e de seus objetivos. “O direito do trabalho visa à melhoria da condição social e econômica do trabalhador, constituindo, de certo modo, a essência dos direitos humanos no modelo de sociedade capitalista, na medida em que a relação entre o capital e o trabalho é o ponto central desse modelo”, diz o documento, lembrando que desprezar o direito do trabalho e, por extensão, a Justiça do Trabalho,  “equivale a preconizar que valores humanos são desprezíveis”.
 
Em seguida, o abaixo-assinado ataca o projeto do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “O projeto revitaliza o eufemismo da flexibilização, ao propor a divisão das férias, o parcelamento do 13.º salário, a redução do intervalo para refeição e descanso e a ampliação das vias precarizantes como o banco de horas e as contratações por prazo determinado”. Tudo isso, diz o documento, “abre uma porta extremamente perigosa para o incremento do comércio de gente, como a terceirização ou a intermediação das cooperativas de trabalho”.
 
A flexibilização das relações de trabalho não é de agora. Ela começou nos anos 1960, com a onda do toyotismo, que impôs a terceirização, praticada à larga entre nós no setor bancário mediante a contratação de serviços de limpeza, segurança etc.
 
Em seguida, com a valorização do empreendedorismo, a flexibilização das relações trabalhistas desembocou na pejotização, pela qual trabalhadores emitem notas fiscais de prestação de serviços, renunciando à assinatura da carteira de trabalho e assumindo-se como pessoas jurídicas (PJ). Essa e outras formas de flexibilização cresceram por omissão do Judiciário. Apenas jovens juizes e advogados humanistas tentam recuperar os elos perdidos do direito do trabalho.
 
Mais recentemente, a privatização das empresas de telecomunicação abriu espaço para o teletrabalho, que acaba com a solidariedade laboral, pois os trabalhadores são contratados por empresas que cobram três e pagam um. Dos dois que sobram, elas lucram um e com o restante pagam encargos sociais -- quando pagam. Por isso os trabalhadores terceirizados e/ou quarteirizados são vulneráveis no mercado de trabalho.  
 
Um exemplo crítico da terceirização ocorre com os vigilantes, “categoria” criada durante a ditadura militar. Hoje eles somam milhões em todo o Brasil. Há vigilantes uniformizados ou disfarçados na frente de milhares de estabelecimentos empresariais.
 
Em Santa Catarina, para citar um caso concreto, o piso salarial deles gira em torno R$ 1 mil. Como trabalham 12 horas e folgam 36 h, eles arranjam dois empregos para ampliar a renda. Armados, trabalham estressados. Os afastamentos do trabalho oneram o INSS.
 
 LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“A precarização social do trabalho se tornou o centro da dinâmica do capitalismo mundializado”
 
Graça Druck, professora de sociologia na Universidade Federal da Bahia

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