Quem se deparar com a capa do jornal A Tribuna desta quarta-feira (21) verá, obrigatoriamente, uma foto grande saltar aos olhos. A foto destaca os tornozelos algemados de uma adolescente de 14 anos. O corte da imagem é nos pés, mas a menina também estava com as mãos algemadas.
Para quem assistiu à cena ao vivo da apreensão da adolescente, acusada de roubar o celular de uma mulher de 58 anos na porta de uma sorveteria, na noite dessa segunda-feira (19), no bairro Sotema, em Cariacica, deve ter pensado que se tratava de uma criminosa de alta periculosidade.
Remete àquelas cenas hollywoodianas de um “serial killer” sendo escoltado para o corredor da morte por cometer algum crime bárbaro. Aliás, criar um clima hollywoodiano à cena parece ter sido a estratégia da polícia para mostrar a população que a PM está cumprindo o papel dela, ou seja, está prendendo. Se a Justiça está soltando, já são outros quinhentos. Como se o problema social da criminalidade entre jovens coubesse nesse raso arcabouço.
Algemar a adolescente pelas mãos e pelos pés foi tão teatral, que o jornal, ao final da notícia, tenta justificar a medida excessiva. “Segundo a Súmula Vinculante 11, do Supremo Tribunal Federal (STF), o uso das algemas é permitido para evitar fugas e garantir a integridade física dos policiais e dos presentes ao ato de transferência da pessoa detida”.
Há muita controvérsia sobre o uso de algemas na apreensão de adolescentes: se seria ou não abusivo. Deixando a polêmica de lado, o caso da adolescente apreendida desperta para outro problema que extrapola as algemas.
Em vez de desfilar com adolescente como um troféu, as autoridades de Segurança Pública deveriam se constranger com a incompetência do Estado. Afinal, o que o poder público (estadual e municipal) está fazendo (ou deixando de fazer) para evitar que uma menina de 14 anos empunhe uma arma de brinquedo para cometer assaltos?
A reportagem de mais de meia página destaca que é a terceira vez que a jovem é detida por assalto, o que só reforça a incompetência do Estado. Se a adolescente é reincidente, isso significa que ela já passou outras duas vezes por audiência na Vara da Infância e Juventude e recebeu alguma medida socioeducativa: privação de liberdade ou medida em meio aberto.
Caso ela tenha passado pelo sistema de internação e mesmo assim voltou a reincidir no crime, mais um gol contra do Estado, que falhou no seu papel de ressocialização. Sem contar as outras políticas públicas que falharam no meio do caminho. Não precisa levantar a ficha pregressa da adolescente para supor que ela veio de família desestruturada e, consequentemente, passou a fazer parte dos índices de exclusão social.
Programas como o Escola Viva e o Ocupação Social funcionam bem como vitrines do governo do Estado, mas são pouco efetivos, na prática, para evitar que uma adolescente de 14 anos seja facilmente cooptada pelo narcotráfico.
A apreensão da adolescente é a prova irrefutável de que as organizações criminosas continuam chegando na frente do Estado e sendo mais eficientes no poder de persuasão dos jovens que, a cada dia, são recrutados mais cedo para o exército da criminalidade.
Se não houver investimentos efetivos em políticas públicas preventivas, que sejam suficientemente capazes de reverter essa vantagem das organizações criminosas sobre o Estado, a sociedade seguirá sendo refém da violência urbana e a adolescente algemada à maneira “seria killer“, certamente estará indo para o “corredor da morte”, que aqui é conhecido como exclusão social.