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Vizinhança Responsável

 

Um vizinho à mão vale mais que dois parentes distantes, disse Confúcio, antes da China dominar o mundo. Hoje, no entanto, vizinho é sinônimo de fofoqueiro, sempre  bisbilhotando por atrás das cortinas. Mesmo os que fazem churrasco juntos e emprestam uma xícara de açúcar num momento de necessidade. Mas, às vezes, a santa curiosidade alheia não é malsã, e até presta bons serviços à comunidade. Ou à polícia.
 
 
Como no caso do Gino, do apartamento A, considerado um bom sujeito por todos no condomínio. Morador padrão, Gino distribui risonhos bons-dias a todos e faz  favores quando solicitado.  Paga o condomínio em dia, é discreto e silencioso, e nunca joga lixo ou deixa resíduos fora das lixeiras. No apartamento B do mesmo andar mora o Caladão, assim chamado por falar e rir muito alto. Isso quando ri, que o mau humor do sujeito  já foi testado por todos no condomínio.
 
 
Caladão é o oposto do Gino – nunca  dispensa e não responde a cumprimentos, jamais atende a solicitações de ajuda, favores ou empréstimos, está sempre atrasado com o condomínio – e dizem que também com o aluguel –  e deixa rastros poluidores por onde passa, ignorando as muitas lixeiras  disponíveis.  Caladão é também um poluidor sonoro, não respeitando os horários de silêncio da convivência comunitária, ou mesmo os outros horários.
 
 
Além do som e da televisão muito altos, ainda quebra o pau na pobre Lavínia, a submissa, que aguenta tudo calada,  disfarçando marcas roxas nos braços com blusas de mangas  longas, mesmo no verão. Para as marcas no rosto ela usa pesada maquiagem, mesmo  para ir à feira. Atento a tudo que se passa no condomínio, Gino  muitas vezes sente-se tentado a chamar a polícia quando o pau quebra no apartamento ao lado, mas sua discrição o detém, pois é avesso a bate-bocas e vias-de-fato.
 
 
Além disto,  a tal Lavínia é maior de idade, devia conhecer seus direitos. Afinal, para quê assiste tanta novela?  Mas uma noite a coisa foi longe demais – os gritos da Lavínia eram mais dolorosos, os xingamentos do Caladão eram mais ofensivos, e até o cachorro da casa latia mais alto. Gino se debate entre sua consciência de cidadão responsável e seu medo da violência explícita do vizinho… Chamo a polícia?  Não chamo, que em assunto de marido e mulher…
 
 
Quando se decide e pega o telefone, faz-se total silêncio no apartamento ao lado. Gino suspira aliviado e vai dormir, mas outro barulho atrai sua atenção… a porta do apartamento B se abre, não com o estrondo habitual, mas cautelosamente… Muito estranho! Gino corre para espionar no olho eletrônico, instalado nas portas para esse fim. Será que a Lavínia finalmente pôs o brutamontes no olho da rua? O que vê o deixa estarrecido!
 
 
Caladão sai de casa pé ante pé e entra no elevador, arrastando um pesado saco de lixo, daqueles grossos, pretos e grandes. Meu Deus, ele matou a mulher e vai sumir com o corpo!  Chorando de remorsos, sabendo bem que poderia ter evitado a tragédia, Gino liga pra polícia, denunciando o vizinho e pedindo que venham logo, antes que ele dê sumiço na prova do crime e suma também. Um foragido a mais, escapando do curto braço da lei.
 
 
Com a habitual eficiência, quando a polícia chega já é dia claro . Caladão voltou pra casa, dormindo como se nada tivesse acontecido. As buscas no imóvel não revelam qualquer vestígio de crime, mas também não acham vestígios da pobre Lavínia. Onde está sua esposa? perguntam os homens da lei. Como vou saber? Fugiu, a ingrata, apesar de todo meu amor e carinho. A vítima também não foi encontrada no trabalho ou na casa de parentes e amigos.
 
 
Caladão é preso  e a notícia sai nos jornais com um título pouco original –  Procura-se Lavínia. Desesperadamente. Um mês depois Lavínia se apresenta à polícia, sem maquiagem e de blusa de alcinha, explicando que ficou escondida até os hematomas sararem. E queria dar uma lição no marido violento – que comesse cadeia pra  ir se acostumando, que as coisas em casa iam mudar. E denunciou que naquela noite houve um crime, sim: embriagado, ele matou o cachorro e sumiu com o corpo!

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