Embora a maioria das casas de religião de matriz africana de Vila Velha se dedique a projetos sociais, culturais e educacionais, uma minoria tem registro de utilidade pública e personalidade jurídica. Os dados foram levantados por meio do projeto Sagrada Ancestralidade, realizado pelo Museu Vivo Barra do Jucu, e constam no livro Mapa das Unidades Tradicionais de Matriz Africana de Vila Velha – ES. Ao todo, foram elencadas 78 casas no município.
Conforme conta no mapeamento, 70% das casas não têm personalidade jurídica. No caso do registro de utilidade pública municipal, estadual ou federal, somente 22% são contemplados. Quantos aos projetos sociais, culturais e educacionais, 67% executam alguma atividade desse tipo, como doações de roupas e cestas básicas, alfabetização de jovens e adultos, distribuição de alimentos para pessoas em situação de rua, cursos de atabaque e na área de estética, projetos infantis de ensino da cultura e religião de matriz africana e assistência psicológica.
O coordenador do projeto Sagrada Ancestralidade e diretor do Museu Vivo Barra do Jucu, Sebaba, afirma que, diante dessa realidade, uma das tarefas será ver formas de conseguir o registro e a personalidade jurídica para as casas. Para ele, o registro de utilidade pública é “um reconhecimento da ocupação daquele espaço de resistência que são as comunidades de terreiro, de desenvolvimento cultural e religioso”.
Sebaba aponta que, muitas vezes, as casas são vistas como um incômodo na região onde se encontram, sofrendo intolerância religiosa. Portanto ambas as documentações “trazem um novo olhar” e podem, inclusive, facilitar o acesso a políticas públicas.
Outro dado que chama atenção é a ausência das casas em fóruns e conselhos. A maioria, 89%, diz não ocupar esses espaços. Os que estão, apontaram o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Vila Velha (Consea), Mulheres de Terreiro de Vila Velha, Juventude do Fonsapotma (Fórum de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana), Federação Espírito Santense de Cultura e Povos Tradicionais de Matriz Africana e Unegro.
Onde as casas estão?
Das 78 casas, a maioria se encontra nos bairros Morada da Barra e Ponta da Fruta, com 10% cada. Em segundo lugar vem Riviera da Barra, com 8%. Depois, com 5%, Argola, Ataíde, Ilha das Flores e Santa Paula. Os bairros Cidade da Barra, João Goulart e São Conrado aparecem com 4%. Em penúltimo lugar, com 3%, Aribiri, Barra do Jucu, Barramares, Ilha da Conceição, Itapuã, Jabaeté e Soteco.
Os bairros com o menor número de casas, 1%, são Centro, Cocal, Coqueiral de Itaparica, Córrego Sete, Divino Espírito Santo, Ibes, Itaparica, Itapuera da Barra, Jaburuna, Morada de Interlagos II, Morro da Lagoa, Praia da Costa, 1º de Maio, Recanto da Sereia, Sagrada Família, Vale Encantado, Vila Garrido e Vila Nova.
Percebe-se, no levantamento, que algumas casas utilizam outros idiomas além do português. O Yorubá é dito em 37% delas; e o quicongo, espanhol ewé fon e idiomas indígenas são falados em 1%. Em 59% das casas não há outro idioma além da língua portuguesa.
Políticas públicas
Para fazer o mapeamento do projeto Sagrada Ancestralidade, foi divulgado, em 2022, um edital de chamamento público por meio do qual o Museu Vivo da Barra do Jucu foi selecionado. O município de Cariacica, por meio da Gerência de Igualdade Racial, fez um trabalho semelhante. Um mapeamento constatou que a cidade conta com, pelo menos, 10,9 mil pessoas pertencentes a alguma comunidade tradicional. Os dados, que consideram ciganos, povos de matrizes africanas, pescadores e marisqueiros, são resultado de um mapeamento realizado por mais de um ano na cidade.
O estudo, pioneiro no Espírito Santo, descortina a ausência de políticas públicas nas comunidades e pode nortear ações governamentais que amenizem o contexto de marginalização e apagamento dessas culturas em território capixaba. O “Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Município de Cariacica” foi um trabalho colaborativo, que envolveu pesquisadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes), representantes de movimentos sociais e lideranças do município.
“O interesse de mapear essas comunidades nasceu a partir, primeiramente, do desejo dos próprios membros tradicionais do município em sair do ostracismo, mediante a visibilização de suas tradições e o reconhecimento de sua cultura ancestral como um dos componentes no processo de constituição da sociedade cariaciquense atual”, explicou o pesquisador e mestre em Ciências Políticas Iljorvanio Silva Ribeiro, um dos responsáveis pela parte técnica da pesquisa.