Debate na Assembleia Legislativa vai discutir possibilidades de preservação
A colônia de Pedro Fontes, no bairro Padre Mathias, em Cariacica, será tema de uma audiência pública na próxima terça-feira (9), às 13h30, na Assembleia Legislativa. O objetivo é debater o tombamento histórico da área e outras possibilidades de preservação.
A audiência é uma realização da Comissão de Cultura, presidida pela deputada estadual Iriny Lopes (PT), em parceria com a vereadora Açucena (PT), de Cariacica, e o Fórum em Defesa da Antiga Colônia de Pedro Fontes.

O fórum, criado há três meses, é composto por representações como as do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Espírito Santo (Iphan-ES), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e familiares de internos do Hospital Pedro Fontes.
O professor do Programa de Pós-Graduação em História da Ufes, Sebastião Pimentel, que desde 2015 estuda a história da hanseníase no Espírito Santo e integra o fórum, destaca que a colônia de Pedro Fontes é “um espaço físico que tem uma história significativa”. Diante disso, defende, é preciso “impedir que a memória não seja apagada definitivamente”.
O Hospital Pedro Fontes foi criado em 1937 para isolar pacientes com hanseníase, doença também conhecida como lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940. Há, ainda, um cemitério, onde os pacientes eram enterrados.
O leprosário, também chamado de Colônia de Itanhenga, nasceu no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas. Com a descoberta da cura da doença, o fim da internação compulsória aconteceu em 1962, mas há registros de que continuaram a acontecer, em todo o país, até a década de 80.
Para Sebastião Pimentel, é preciso pensar possibilidades para que a memória da hanseníase no Espírito Santo não seja apagada. Uma delas é o tombamento, para, a partir daí, estudar coletivamente as formas de ocupação do espaço. Entre as sugestões, é que seja um local onde fosse possível contar a história da doença em geral e, especificamente, no Estado.
“A história da hanseníase no mundo, no Brasil e no Espírito Santo é um momento dramático vivido por grupos sociais que receberam uma carga de estigmatização e violência. É preciso rememorar isso para não cometermos um equívoco tão grande como foi o isolamento compulsório dos hansenianos e das pessoas com deficiência mental”, ressalta.

Juntamente com a também professora do Programa de Pós-Graduação em História da Ufes, Patricia Merlo, Sebastião Pimentel apresentou em julho deste ano à Comissão de Cultura um projeto de resgate histórico que contempla uma exposição itinerante pelo Espírito Santo, um livro sobre a história do leprosário e um catálogo. A exposição seria de fontes históricas como fotos, prontuários, depoimentos, dados clínicos e informações de médicos que trabalharam no Hospital Pedro Fontes, para onde as pessoas com hanseníase eram levadas compulsoriamente. A proposta é que seja realizada em todos municípios do Espírito Santo, já que o local recebeu internos de praticamente todos eles, mas principalmente do interior.
Há, ainda, de acordo com Patrícia, uma outra motivação, a necessidade de “parar de negar o passado”. “A função da história é lembrar às pessoas daquilo que se quer esquecer, e é sempre a história dos mais vulneráveis que é apagada, invisibilizada, coloca embaixo do tapete”, diz. Além disso, a ideia é que os familiares dos internos em cada cidade recebam uma réplica da documentação. Em relação ao catálogo, também com fontes históricas, de acordo com a professora, a proposta é que seja tanto físico quanto virtual, este último, com uma versão em inglês, já que há interesse no tema por parte de pesquisadores de várias partes do mundo.
Fórum
O Fórum em Defesa da Antiga Colônia de Pedro Fontes foi criado diante da depredação do patrimônio, informa um dos seus integrantes, o aposentado e ex-prefeito de Colatina, Leonardo Deptulski (PT), que afirma ter uma relação afetiva com o local, uma vez que seu avô foi interno do hospital, mas não ficou lá a vida inteira, ao contrário de dois irmãos, que morreram lá, foram enterrados no cemitério da colônia e a quem Leonardo sempre visitava.
O cemitério teve suas atividades embargadas em agosto último, quando o Iphan-ES expediu notificação (nota técnica nº 45/2025) à Prefeitura de Cariacica, na gestão do prefeito Euclério Sampaio (MDB). A nota, assinada pelo arqueólogo Yuri Batalha de Magalhães, prevê que o embargo seja mantido “até que sejam tomadas as medidas necessárias para resguardar os bens culturais ali existentes”.

Prevê, ainda, a discussão de medidas compensatórias, “haja vista os impactos realizados sobre o sítio arqueológico Cemitério Pedro Fontes, bem como os prováveis impactos sobre o patrimônio arqueológico com a realização das intervenções de expansão do cemitério sem a adoção de medidas preventivas e mitigatórias necessárias, conforme preconiza a Instrução Normativa 01/2015”.
A nota técnica foi motivada pela abertura de novas covas, “causando a depredação de sítio arqueológico”. O cemitério, a Capela de São Francisco e o entorno são tombados pelo patrimônio histórico desde novembro de 2021, por meio do Decreto nº 274. Quanto à capela, que se situa dentro da área do sítio arqueológico, constatou-se que “está em péssimo estado de conservação, o que impede seu uso para a realização de missas e demais ritos fúnebres. Em consonância com o próprio tombamento municipal, consideramos que a Prefeitura de Cariacica deveria envidar esforços para restaurar este bem, já que os velórios na atualidade ocorrem em espaço improvisado, com o auxílio de uma tenda montada na entrada do cemitério”.
Além disso, o imóvel onde funcionava o hospital vem sendo depredado, o que tem indignado e preocupado moradores da região e pessoas que fazem parte da história desse equipamento, como familiares daqueles que foram internados compulsoriamente por terem contraído hanseníase. Eles temem o apagamento da memória local e aumento da violência e se queixam do fato de que não há diálogo por parte da Prefeitura de Cariacica sobre a construção de um polo industrial.
Em dezembro de 2023, a área, que pertencia ao Governo do Estado, foi municipalizada por meio da aprovação do Projeto de Lei nº 1021/2023, de autoria do Executivo. Na ocasião, o prefeito de Cariacica declarou a importância da iniciativa. “Além de regularizar as áreas para as empresas que já estão instaladas, vamos poder atrair muito mais empresas para a nossa cidade, gerando mais empregos e renda”, disse na ocasião. A intenção, portanto, é criar um polo empresarial.
Leonardo Deptulski informa que o Fórum encaminhou ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) um documento no qual pede apoio para garantir a integridade do patrimônio. Além disso, vai se reunir no dia 12 de dezembro com a promotoria de Cariacica para solicitar que seja desarquivada uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Estado do Espírito Santo, que, de acordo com ele, houve uma sentença estabelecendo quais deveriam ser as ações do Estado para preservação da colônia. Contudo, o processo foi arquivado.
Retomada
O servidor da Gerência de Memória e Patrimônio, Rodrigo Zotelli, explicou durante a reunião que serão necessárias iniciativas como definição do objeto, se será uma edificação isolada ou um conjunto de edificações, formando, portanto, um sítio histórico. Depois, será preciso definir a área de entorno para criar parâmetros de intervenção na região.
A etapa seguinte, explicou Rodrigo, volta para votação no Conselho. Com a aprovação, segue para homologação do governador Renato Casagrande (PSB), publicação da resolução e inserção no livro de tombo. Também serão realizadas reuniões e audiências públicas para elaboração da minuta de resolução. Ele recordou a atitude do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-ES), que, em agosto, expediu a Nota Técnica nº 45/2025 à Prefeitura de Cariacica, embargando as atividades no cemitério Padre Mathias, nas proximidades do hospital, “até que sejam tomadas as medidas necessárias para resguardar os bens culturais ali existentes”.

Em julho deste ano, a advogada Livia Poubel, voluntária do Morhan, solicitou instauração de requerimento de tombamento do Educandário Alzira Bley ao Iphan. Ela requereu o tombamento do imóvel, do acervo documental e dos bens móveis. Consta, ainda, no pedido, que seja determinada, “caso entenda pertinente, a realização de medidas cautelares de curadoria e inventário técnico do acervo documental ali existente”.

