Sábado, 18 Mai 2024

Com prosa poética, Mia Couto retrata o drama das mulheres africanas

“Até que os leões inventem suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”, com esse provérbio africano, Mia Couto inicia seu 12º livro, A Confissão da Leoa (2012). A simples frase pode se tornar grandiosa se comparada a vida do povo africano, que precisou reconstruir toda a sua história em detrimento da versão heróica dos colonizadores do século XVII. Mia Couto é um desses homens que se dispôs a contar as histórias do seu país. 

 
Nascido em Moçambique, o escritor escolheu retratar o ambiente rural do país a partir de uma experiência própria. Em 2008, Couto foi convidado a integrar uma expedição ambiental para o norte de Moçambique, durante sua estadia no local começaram a ocorrer diversos ataques de leões a pessoas, principalmente mulheres. No livro, o escritor Gustavo Regalo é inspirado no autor, mas ele é um personagem totalmente secundário a trama é focada nos moradores da aldeia e no caçador Arcanjo Baleiro.
 
A história se passa toda na aldeia de Kulumani, onde o caçador Arcanjo é chamado  para matar os leões e o escritor Gustavo para registrar tudo. Porém, a volta do caçador a comunidade preocupa Hanifa, mãe da jovem Mariamar. A mulher acredita que os leões são criaturas mágicas que não se pode matar com balas. Os diálogos entre a família de Hanifa permitem que o leitor fique totalmente imerso na cultura africana.
 
 A Confissão da Leoa é dividido em dois tipos de relatos em primeira pessoa, que se alternam em capítulos. Versão de Mariamar, a jovem da aldeia, e Diário do Caçador, de Arcanjo Baleiro. Aos poucos os personagens vão contando seus segredos mais íntimos, a paixão secreta de Arcanjo pela mulher do irmão, o qual está em um hospício, e o medo e o ódio que Mariamar sente do pai e as saudades de seu avô, o único que parecia lhe respeitar.
 
O sotaque moçambicano e a prosa poética peculiar de Mia Couto dão o tom à obra que revela que as verdadeiras feras estão dentro da aldeia, são os homens, eles que devoram as suas mulheres. Reprimidas por um sistema patriarcal e violento, as mulheres são condenadas a uma situação de submissão intolerável. Nas palavras de Genito, pai de Mariamar, “Aqui não há policia, não há governo, e mesmo Deus só há às vezes”.
 
Todas devem se casar sem conhecer o amor e terem filhos sem saber serem mães, Marimar parece destoar dessa regra. Com o poder da escrita, ela tranforma papel e lápis em armas para se defender. Com o retorno do caçador a aldeia, a moça também sonha em fugir com ele. 
 
Mia Couto mostra um povo que se apega ao mágico e as lendas para explicar a condição miserável que se encontram. Diferente das obras anteriores, o escritor opta por uma linguagem com menos neologismos e mais simples. Mesmo tratando de lendas, crenças e sonhos premonitórios, A Confissão da Leoa não é um livro de realismo fantástico é apenas uma história do cotidiano, que de tão melancólica consegue aproximar da realidade.
 
Serviço
 
A Confissão da Leoa
Mia Couto
Companhia das Letras
251 páginas
R$ 39,50 em média

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