Quinta, 25 Abril 2024

Atentado criminoso destrói parte de Ponto de Memória no Sapê do Norte

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Um atentado criminoso motivado por intolerância religiosa. É o que pode explicar o incêndio que destruiu, na manhã dessa terça-feira (9), parte do Ponto de Memória Jongo de Santa Bárbara, localizado na comunidade quilombola de Linharinho, em Conceição da Barra, norte do Estado. 

O fato foi registrado em Boletim de Ocorrência (B.O) e aguarda investigação e posicionamento por parte da Polícia Civil. O Ministério Público Federal (MPF) também já foi informado, bem como as secretarias de Estado de Cultura e de Direitos Humanos (Secult e SEDH), além de organizações da sociedade civil que atuam em direitos humanos e cultura afro-brasileira. 

"O Ponto de Memória já existe há mais de três anos ali e nunca tivemos problema. Já fizemos diversas festas, encontros, reuniões de lideranças das comunidades quilombolas, e nunca teve problema. Não sabemos por que nem quem pode ter sido", conta Natan Santana, um dos integrantes do Ponto de Memória. 

Até o momento, o que pôde ser constatado, relata, é que não se trata de incêndio acidental. "Constatamos que o fogo foi colocado de fora para dentro, porque uma cozinha externa, com fogão a lenha, foi toda destruída, a mesa dos orixás queimou pelo lado que fica perto da parede que dá para fora. A imagem principal, de Santa Barbara, foi destruída. A gente descartou problemas elétricos, porque a fiação que não queimou está perfeita. Os outros cômodos perfeitos. Nada foi furtado, moto, eletrodomésticos, está tudo lá. Tem outras casas no terreno, tudo intacto. Nenhum sinal de arrombamento", descreve.

Em suas redes sociais, a coordenadora do espaço, Gessi Cassiano, conhecida carinhosamente como Dona Gessi, Mestra da Cultura Popular e portadora dos saberes tradicionais da cultura quilombola capixaba, fez um desabafo. "Fui vítima de um atentado criminoso", lamenta. "Todos os dias vou ao ponto de memória para zelar e cuidar, porém, na data de nove de agosto, quando eu cheguei no espaço, deparei-me com o mesmo pegando fogo, sendo que não houve roubo ou furto, e nada foi levado do local. Acredito que fui vítima de intolerância religiosa ou algum tipo de intimidação", aponta.

Em nota, a Secult afirmou que levará uma equipe ao Ponto de Memória nesta quinta-feira (11), "para prestar apoio, solidariedade e buscar caminhos para a recuperação do nosso patrimônio". Também manifestou "repúdio ao ocorrido" e "respeito à dona Gessi, ao Ponto de Memória e ao nosso jongo", e garantiu que irá acompanhar a apuração dos fatos e dar todo suporte na recuperação do espaço.

"O Ponto de Memória Jongo de Santa Bárbara é um espaço cultural que reúne a comunidade do Linharinho e foi premiado com recursos do Fundo de Cultura do Espírito Santo (Funcultura) para manutenção e difusão de suas atividades. Sendo detentora de saberes tradicionais da cultura quilombola, Dona Gessi também é reconhecida como Mestra da Cultura Popular, sendo uma referência na transmissão e perpetuação do Jongo entre as novas gerações", ressaltou a Secult.

Divulgação

Já a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) e o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir) informaram que foi formalizada uma denúncia sobre o caso, por meio da Gerência Estadual de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos, que acionou os órgãos competentes. "O caso será acompanhado pela SEDH e Cepir. A Comissão de Povos Tradicionais do Conselho, da qual a secretaria faz parte, também fará uma visita ao local nos próximos dias para oferecer o suporte necessário, e o Cepir emitirá uma Nota de Repúdio e uma Nota de Solidariedade", acrescentaram. 

A SEDH ressaltou ainda "que repudia a situação ocorrida neste importante patrimônio cultural, histórico e religioso, que levou anos para ser erguido. Todas, todos e todes têm o direito à liberdade religiosa".


Território tradicional

Linharinho é uma das mais de trinta comunidades certificadas pela Fundação Palmares dentro do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, que se estende também para o interior do município vizinho de São Mateus, e que possuem processos administrativos em tramitação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para titulação definitiva das terras em favor das famílias quilombolas, detentoras seculares do território, que vem sendo usurpado desde o final da década de 1960 pela então Aracruz Celulose e ex-Fibria, hoje Suzano Papel e Celulose.

Em meio ao conflito fundiário protagonizado pela multinacional, os quilombolas resistem plantando alimentos e árvores nativas, recuperando nascentes e córregos, resgatando a agroecologia e perpetuando os saberes tradicionais, como as casas de farinha, o beiju, o jongo e outras manifestações da cultura quilombola.

Uma ação civil pública impetrada pelo MPF em 2015 já teve uma primeira decisão judicial favorável às comunidades, exigindo a anulação dos títulos de propriedade emitidos para a empresa papeleira (então Fibria), bem como a titulação das terras para as comunidades quilombolas.

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