Domingo, 05 Mai 2024

Cozinhas de farinha: retratos da alma das comunidades quilombolas no Estado

Cozinhas de farinha: retratos da alma das comunidades quilombolas no Estado
A cozinha de farinha – ou casa de farinha – é como a alma de uma comunidade quilombola. “Sem ela a gente não funciona”, afirma Gessi Cassiano, liderança comunitária em Linharinho, Conceição da Barra (norte do Estado), e coordenadora geral da Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA).



E o inverso, reafirma Dona Gessi, é igualmente verídico: quando uma comunidade não está “funcionando bem”, a sua cozinha de farinha simplesmente mingua, podendo até morrer.  



Pois é essa relação de interdependência entre a cozinha de farinha e a saúde geral da comunidade onde ela está instalada é que explica uma verdadeira tragédia: a ausência de autênticas cozinhas de farinha nas comunidades do Território Quilombola do Sapê do Norte há mais de dez anos - o “elefante branco” construído no Angelim não conta, explica Gessi, pois é uma construção que não segue a tradição quilombola e a comunidade não abraçou”.



A saúde das comunidades quilombolas na região está muito debilitada. Falta de água, terra empobrecida, ausência de saneamento básico e outros serviços públicos essenciais (ausência do Estado), falta de assistência técnica (o Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural – Incaper não atende às comunidades), criminalização e perseguição das lideranças.



Esses são alguns dos efeitos colaterais gerados pelo mal primordial: a monocultura de eucaliptos, principalmente da Aracruz Celulose (Fibria). “É a raiz da nossa destruição. Esse estrago da terra que dificulta produzir até a mandioca, que é resistente”, relata a coordenadora da APTA.



Nesse período, a farinha de mandioca tem sido produzida improvisadamente, na casa de cada família: “rala a mandioca, espreme e torra na frigideira, no fogão mesmo”, ensina Dona Gessi. “É a base da nossa alimentação”, justifica, “não pode faltar”.



Mas para que a autêntica e saborosa farinha quilombola possa chegar às escolas e famílias carentes via o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), nos quais as comunidades do Sapê estão conseguindo participar, com sua ainda tímida produção agroecológica, é preciso apoio do Estado para construir espaços que atendam às características culturais tradicionais e também às exigência da Vigilância Sanitária.



Ao mesmo tempo em que lutam pela titulação de suas terras, usurpadas pela Aracruz Celulose há 50 anos, que lutam por assistência técnica para a produção de alimentos saudáveis e recuperação do solo e dos mananciais exauridos pelo deserto verde, que lutam para serem vistos pelo Estado e pela sociedade como detentores de direitos constitucionais e que lutam por moradia e educação, os quilombolas do Sapê do Norte também lutam para reavivar suas cozinhas de farinha.



Cozinhas de farinha que lhe garantirão mais dignidade na produção de um item essencial na alimentação e que pode enriquecer as cestas vendidas nas feiras, no PNAE e PAA, e essencial para restaurar a alegria, a união e a saúde individual e coletiva de todo um povo.



Reconstruir essas cozinhas é um dos pontos de pauta que a recém-empossada coordenadora-geral da APTA irá levar para uma reunião que está sendo agendada com a prefeitura de Conceição da Barra. “O correto é uma cozinha para cada comunidade”, diz Gessi. “É cozinha, porque é lá que a gente faz tudo, o café, o almoço, a janta ... e a farinha!”, sorri, esperançosa. 

Veja mais notícias sobre Meio Ambiente.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Domingo, 05 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/